sábado, 23 de diciembre de 2023

A questão galega e o público português. F. Venâncio.

Por Fernando Venâncio. 

Entre 1997 e 2001, ainda nos alvores da Internet em Portugal, teve lugar um debate sobre a Galiza no fórum «Lusofonia» do portal português Terràvista.

Esse debate (cujos materiais são, actualmente, de acesso restritíssimo) ganha hoje o maior interesse. Isto porque, nele, alguns dos actuais problemas da língua na Galiza foram examinados, até ao pormenor, por um grupo de não-especialistas, galegos e portugueses.

Entre esses problemas, podem citar-se a integração da Galiza nos países lusófonos, a ortografia do galego e a sua relação com o português, as relações políticas Galiza-Portugal, as relações de ambos com a Espanha.

Sublinhe-se o carácter «naïf», não-alinhado, e sobretudo não-organizativo, dessa discussão – uma discussão informada e de um empenhamento exemplar. Uma autêntica lição para hoje.

Fonte: 

  https://observalinguaportuguesa.org/a-questao-galega-e-o-publico-portugues/?fbclid=IwAR3OO_ja6n34n3dUXBWNYnEAKOlbcYtJb6iGdAwOvJDXivKQqSWeAWxO7oY

A questão galega e o público português

Uma experiência na Internet (1998-2001)

in Elias Torres (org.), Actas do VIII Congresso da Associação Internacional de Lusitanistas (Santiago, 2005), vol. I, 2008, págs. 557-570

Fernando Venâncio Universidade de Amsterdão

Entre 1997 e 2001, ainda nos alvores da Internet em Portugal, teve lugar um debate sobre a Galiza no fórum «Lusofonia» do portal português Terràvista. Esse debate (cujos materiais são, actualmente, de acesso restritíssimo) ganha hoje o maior interesse. Isto porque, nele, alguns dos actuais problemas da língua na Galiza foram examinados, até ao pormenor, por um grupo de não-especialistas, galegos e portugueses. Entre esses problemas, podem citar-se a integração da Galiza nos países lusófonos, a ortografia do galego e a sua relação com o português, as relações políticas Galiza-Portugal, as relações de ambos com a Espanha. Sublinhe-se o carácter «naïf», não-alinhado, e sobretudo não organizativo, dessa discussão – uma discussão informada e de um empenhamento exemplar. Uma autêntica lição para hoje. Houve, no decorrer dos últimos cem anos, entre portugueses e galegos, contactos que podemos considerar 2 como de ‘diálogo’, e até de ‘debate cultural’. Não muitos, mas alguns memoráveis. Um deles foi o interesse pela Galiza por parte de Teixeira de Pascoaes, e os contactos que, nas primeiras décadas do século 20, ele manteve com intelectuais galegos, com correspondência por vezes assídua e visitas galegas a Gatão.i Assinale-se não haver Pascoaes, que teve saúde, vida e posses para isso, visitado nunca a Galiza. Pensa-se que, delicadíssimo, receava enfrentar-se com as desinteligências entre os seus amigos. Um segundo momento – de todos, porventura, o mais enriquecedor – foi o longo contacto de Manuel Rodrigues Lapa com a cultura galega. Desde 1932, na Seara Nova e variados outros periódicos, e até ao fim da vida, alimentou com os seus numerosos amigos galegos um diálogo devotado, insistente, e por vezes difícil. A correspondência publicada, já volumosa, informa-nos dos bastidores dessa longa conversa pública.ii Entretanto, nos anos 50 e 60, tinham-se dado vários encontros, ou ‘assembleias’, luso-galegos, promovidos pela Real Academia Galega e pelo município de Braga.iii No decorrer dos anos 80, deram-se, sem a presença física de Rodrigues Lapa, mas com ele presente na mente de todos, dois debates, duas mesas-redondas em contexto académico, científico. Em ambos os casos, a discussão centrava-se na questão da língua – nada de admirar, desde o incisivo artigo de Lapa, em 1973, na Colóquio Letras. A primeira dessas mesas-redondas tem lugar em Novembro de 1980, em Trier (Trèves, Tréveris), no decurso do colóquio ‘Sobre a posibilidade de establecemento dunha lingua culta galega’, organizado por Dieter Kremer e Ramón Lorenzo. Participam na discussão Filgueira Valverde, Alonso Montero, Celso Cunha, Paiva Boléo e o próprio Lorenzo, não propriamente os maiores 3 admiradores de Lapa. O debate partiu de um breve texto enviado ao colóquio pelo mestre português. Resultou numa conversa incómoda, de fórmulas calculadas, e mesmo (foi o caso de Boléo) alguma brusquidão.iv A segunda mesa-redonda realiza-se, em Lisboa, em Junho de 1983, durante o ‘Congresso sobre a Situação Actual da Língua Portuguesa no Mundo’.v Nela participa, pela Galiza, Ramón Piñeiro, que se vê contestado por Maria do Carmo Henríquez. Há um enfrentamento, não um diálogo. Esse tinha-se dado horas antes, a pretexto duma comunicação de Pilar Vázquez Cuesta, com intervenções de Pilar García Negro, Francisco Salinas Portugal e da mesma Carmo Henríquez. Discutia-se entre galegos, diante dum público sobretudo português. Ignoro até que ponto os congressos da Agal, realizados entre 1984 e 1996, foram lugar de debate (sublinho, ‘debate’) entre galegos e portugueses sobre a língua na Galiza. Mais provável suponho essa discussão nalgum dos longos serões de um congresso de Lusitanistas, algures no planeta. vi Actualmente, a troca de pontos de vista dá-se em fóruns da internet. Devemos citar os de Vieiros.com, onde Portugal é, com frequência, tema de conversa. Importante, também, é a discussão no fórum ‘Assembleia da Língua’, onde, entre galegos e portugueses, se deram já assinaláveis convergências, e igualmente assinaláveis enfrentamentos, ásperos e instrutivos.vii Mais do que todos, importa citar os fóruns do PGL, Portal Galego da Língua, onde, neste exacto momento, se travam debates do maior interesse e onde se verificam até discussões entre portugueses. Eles duplicam – oito anos depois, e quase ponto por ponto – o debate de que vos venho falar aqui.

A Internet, uma criança

Foi uma polémica viva, animadíssima, que se estendeu por anos, e todavia hoje esquecida. Os próprios que a mantiveram recordam-na como algo distante – embora, quando a referem, ainda o rosto se lhes ilumine. Decorreu num fórum internético entre 1997 e 2001 e nela participaram, com entusiasmo, mesmo com euforia, bastantes portugueses, um ou outro africano, alguns brasileiros e uma mão-cheia de galegos. Importará lembrar que, em 1997, a internet pública era uma criança. E, como uma criança, enternecedora, trabalhosa e cara. Tudo isso era compensado por reconfortantes sensações de descoberta e de pioneirismo. Por felicidade, surge então um ministro português da cultura que cria um instrumento simples, dúctil e gratuito: um «portal» aberto a qualquer indivíduo de língua portuguesa, com páginas pessoais de 2Mb (um luxo!) e variados fóruns de discussão. [Hoje sabe-se que o próprio ministro, um filósofo, não ia muito à bola com a internet. Alguém o terá, portanto, convencido. Agradeça-se aos dois]. O portal abriu em Março de 1997, chamava-se «Terràvista» e tinha um visual e uma arquitectura ainda hoje modelares. Começam então a povoar-se os fóruns. Os de «Gentes e Lugares», da «Noite» e da «Lusofonia» depressa vão tornar-se espaços de eleição. Com a vantagem, para a «Lusofonia», de congregar interlocutores assíduos de vários continentes. Só a Oceânia não contribuirá. Em compensação, a causa de Timor-Leste unirá um dia as mentes. Toda esta entusiasmante conversa, hoje guardada em 11Mb de texto, agarrou e revolveu temas como a regionalização portuguesa, a política interna angolana, o precário relacionamento de brasileiros e portugueses, o 5 Nobel de Saramago, Olivença, a Expo 98, os touros de morte de Barrancos, as relações de Portugal com a Espanha, o mirandês, e Timor, como já se disse. E, como se disse já também, a questão da língua na Galiza. É neste tema que vou centrar-me. Mas, antes de avançar, antes que se julgue que eu fui um dos heróis, o seguinte. Devo a um puro acaso ter sido, em Janeiro deste ano de 2005, posto na pista desse fórum. E foi um puro e feliz acaso que, pouco depois, me depositou nas mãos esse imenso material. Quero ser digno desta escolha do destino, que evidentemente é cego. Faço planos para um livro que conterá o essencial dessa conversa luso-galega que, durante quatro anos, cruzou dia e noite o Ocidente peninsular.viii E mais uma precisão. Como o destino, além de gentil, é avaro, os nove meses de conversa de 1997 ficaram inacessíveis, e podem considerar-se definitivamente perdidos. Não se sabe, assim, quando entram os temas galegos na conversa. Só sabemos que, a 1 de Janeiro de 1998, estão em cena um galego, «Paulo» de seu nome, ou nick, um português de Viana do Castelo, «José Cândido», e o lisboeta «Francisco». Mas o convívio dá aspecto de já vir de longe.

‘Recozinhando’ a lusofonia

Francisco acaba de regressar da Galiza. Tem boas e más impressões. Na Corunha falaram-lhe, diz ele, «em galego sem preconceitos», mas em Vigo quase não o ouviu. Paulo tenta elucidá-lo, e diz que, se as pessoas lhe falam em castelhano, pode bem ser «por cortesia». Um dia, alguém no fórum virá com pormenores e com a explicação. Francisco não é um qualquer. Tem bom conhecimento histórico, domina vários crioulos 6 portugueses, de que recolhe textos na sua página, possui elasticidade e virulência verbais invejáveis, tem um àvontade ideológico visionário, que os interlocutores assimilam à Direita, e a espantosa idade de 18 anos. Faz sua a causa de Olivença, como em breve fará a de Casamança (um enclave lusófono no Senegal), como fará a de Timor. Em semelhante perfil, o interesse pela Galiza cabe à larga. Francisco, que hoje faz um mestrado de sociologia na Grã-Bretanha, atravessará toda esta história. José Cândido, em Viana do Castelo, diz doeremlhe «os senhores de Lisboa» e a sua insensibilidade ao esforço «integrador» galego. Increpa à capital portuguesa a «asfixia» das vogais átonas que, com um «centralismo barrigudo», impôs ao resto do território. E chama à Galiza e ao Minho «dois namorados a quem os pais proibiram o noivado», o que não será o último arroubo lírico no fórum. Paulo, o galego, dá-lhe então o endereço electrónico de certa revista lusófona «feita na Corunha», Çopyright, e José Cândido logo se propõe adquiri-la na Galiza. Paulo terá de lembrar-lhe que a revista tem só formato ‘web’. Não sabemos (eu não sei) quem foram este Paulo e este José Cândido. Ambos, aliás, se somem, sem rasto, logo nesses inícios de 98. Antes de silenciar-se, Paulo lança, em repto, o tema das relações de Portugal com o Estado vizinho. Opina ele que a «aversão» à Espanha «provém de um complexo de inferioridade e algum temor», para ele incompreensíveis. Francisco sente-se atingido e afirma «nada» haver em Espanha «que Portugal possa invejar». De resto, lembra, vem aí a Expo 98 e, adverte, «alguns espanhóis terão alguns dissabores». A Galiza entra claramente nos planos de futuro de Francisco para o país. Para esse «português do mar oceano», convictamente anti-europeísta, a Galiza «vai ajudar a encontrar a simplicidade do Portugal medievo 7 juntamente com um Portugal agrário», assim colaborando no «recozinhar da sopa» da lusofonia. Sim, «talvez seja pela boca ou mão de um galego» que Portugal acorde «para um novo mar». A causa galega tinha aqui o seu profeta, e tanto bastou para se supor Francisco em más companhias. Ele levará meses a afastar suspeitas de conexões à extrema-direita portuguesa, fascista e salazarista, que já então operava na rede e manifestava alguma gulodice pela Galiza. Francisco é, na realidade, todo o contrário do racismo. Ama a sua «Lisboa crioula», resplandecente de africanos e asiáticos, e acha, mesmo, que tudo o que Portugal tem de bom o trouxe de fora. Ali está a Galiza, bem próxima, de onde pode trazer muito. O belicoso tom anti-espanhol de Francisco não recebe nenhum eco nos compatriotas. Os espanhóis «são um povo cordial, educado e com quem se pode trabalhar», diz «Xpto». São «um povo maravilhoso, um povo agradável», diz «Xixa». «A verdade é que nos damos naturalmente bem», diz «Ji». «Acho um óptimo país com quem temos excelentes relações», diz «Re21». «Se os espanhóis se estão a aproveitar, é porque culturalmente são um povo cheio de garra, e é isso que nós estamos a aprender a ter…», diz «Guida». Quando, em Maio, a Expo 98 abrir as portas, Francisco, voz no deserto, há-de apontar ainda o desprezo e ignorância espanhóis pela «especificidade» portuguesa. Perante a espectacularidade da missão espanhola, lançará o slogan: «Vá à Expo, fique em Espanha!»

«200 milhons de almas»

É por então – Julho de 98 – que entra em cena um novo galego, que assina «Outeiro» e propõe ao fórum «um aberto debate sobre os problemas da Galiza, berço da 8 lusofonia». Apresenta a Agal, de que dá endereços postais, e lança um aviso sobre a «dupla moral» do presidente autonómico, Manuel Fraga, que, em casa, persegue o «reintegracionismo» e, lá fora, se felicita da «nossa língua comum». A entrada de Outeiro não passa despercebida. Há sonoras boas-vindas, e Francisco dá mesmo vivas à «galegofonia de 200 milhons de almas». Exacto, «milhons». Volta e meia, o ainda quase adolescente lisboeta redigirá ‘posts’ inteiros em reintegrado, ou o que ele supõe sê-lo, com várias e recreativas contaminações de autonómico. Uma interveniente de um «país lusófono» pede a Outeiro esclarecimentos sobre a perseguição ao galego. Sempre em ‘agal’, ele informa: «Na Galiza, o Estado espanhol está a pôr em prática um processo de substituiçom lingüística. Este consiste em fazer com que os monolíngües em galego-português virem bilíngües em galego e espanhol, como passo prévio para tornar-se depois em monolíngües em espanhol». E lembra o dano feito ao galego por portugueses exprimindo-se, na Galiza, em castelhano. Sucesso certo, teve-o ele com um juvenil brasileiro, Ronald («tenho 17 anos»), de Minas Gerais, que promete não voltar a dizer «Galícia». Outeiro deixará ainda recomendação da leitura, para «informaçom alheia ao conflito», da Gramática de Celso Cunha e Lindley Cintra e de obras de Lapa. É essa a última intervenção desse galego, que passou fazendo o bem. Iria deixar saudades. A causa do galego ficará agora entregue a Francisco, que lembra a certo «Marquinhos», da Galiza, a necessidade de que o falem «bem», para que o idioma se mantenha. E esse mesmo lisboeta de 18 anos expõe a certa «Ana Mórfica» qual é «a grande aposta do imperialismo cultural castelhano»: «Obrigar o galego a distanciar-se do 9 português, obrigá-lo a utilizar uma caligrafia [sic] diferente, fazendo com que não possa ser aceite na lusofonia e destruindo-o progressivamente, abafando-o na pobreza».

Grandes animadores

É nesse Verão de ’98 que aparecem no fórum dois indivíduos – o português «Omar Salgado» e o galego «Perico» – que irão tornar-se o que até aí Francisco tivera de ser sozinho: os grandes animadores do debate. «Omar» surge perguntando o que é feito do «nosso amigo Outeiro, paladino da lusofonia em terras da Galiza» e sugere visita a uma página galega, a do MDL, Movimento de Defesa da Língua. Mas bem depressa Omar Salgado não tem mãos a medir. Certo «Intruso» insinua andarem ele e Francisco a pactuar com neo-nazis incitadores à anexação «de parcelas de território pertencentes a países independentes» (leia-se, à Espanha). Francisco e Omar, ambos se batem com denodo, ambos desafiam o atacante, expõem os ideais do MDL e igualmente do MSL, Movimento de Solidariedade Lusófona, de que Francisco se diz aderente e que, segundo ele, tem ligações à Agal. Ora, não só não convencem, como o atacante vai receber apoio. «Invadir a Galiza?», escreve o participante «Re21» a Omar. «Ó caro senhor, quer aqui o Kosovo ou a Jugoslávia?». E aconselha-o a visitar a própria Galiza, onde verá que os nacionalistas são «uma minoria das minorias» e que não há «quem queira ser português». Omar Salgado, quadro numa federação desportiva em Lisboa, preparando um mestrado em Estudos do Património, acabava exactamente de regressar da Galiza. Do que ali ouviu e viu, ficara-lhe claro o intento de «repor novo fôlego à língua tradicional e legítima, tendência essa 10 que é combatida pelo poder central». E quanto a sugestões balcânicas: trata-se, não de transferências de soberania, mas do «reconhecimento à legitimidade para o povo galego, que nos é afim, de poder expressar-se na sua língua própria, que é a nossa». Seria preciso muito mais para convencer Re21. «Galego é galego», escreve ele, «e português é português». Há-de repeti-lo, no decurso dos meses, em várias e criativas modalidades – mas com decrescente convicção. A lenta, e por fim espectacular, viragem mental deste português da Marinha Grande, especialista em comunicação internética, é possivelmente o que de mais belo há nesta história. Do outro aparecido, o galego «Perico», tem-se a clara impressão de que, havendo acompanhado a conversa, teve de intervir. É que Re21 persistia em confundir reivindicação linguística galega com fantasmas de anexação e devaneios de extrema-direita, chegando a associar simpatias lusistas com reaccionarismo autonómico. Com visível gosto, «Perico» ensina a Re21 o a-b-c das questões. Fala-lhe sobre a real difusão do galego, sobre a problemática das normativas, sobre a busca da integração do galego na sua área «natural», sobre o sistema autonómico espanhol, o estatuto das línguas cooficiais e o nacionalismo galego. Dá exemplos eloquentes, como o de ter a universidade de Vigo recusado documentos ‘redigidos num idioma desconhecido’. Ou o subsídio que a Junta deu à Mesa pola Normalización da Lingua: cinco mil pesetas, 30 €. De passagem, informa-o de que, na Galiza, ninguém no seu completo juízo pensa em anexar-se a Portugal. Mas mesmo o sentido da pedagogia deste técnico de informática viguês (a quem até os amigos conhecem por «perico», teimosamente minúsculo), pode ser 11 insuficiente quando se acredita que «estes galegos de direita» buscam «a integração em Portugal». [Estas reacções portuguesas à questão galega devem ser olhadas com atenção. Voltarei a este assunto. De momento, baste anotar que, para um português desprevenido, «reintegração» soa a «integração», e que «integração» é facilmente associável a «anexação». De igual modo, «nacionalismo» é, para o português médio, sinónimo de «independentismo», e até de «violência». Atenção, portanto. O que é óbvio para um galego pode não sê-lo, de modo algum, para um português]. Além de bem informado, Perico é curioso e um bom observador. Espanta-o a obsessão (o «desmedido amor») dos portugueses pelos centros comerciais, ou o «orgulho» que dizem ter em serem portugueses. Não tarda, e esse orgulho irá tornar-se aflitivo, quando, em Outubro, Saramago ganhar o Nobel («O Nobel que todos recebemos», «Desculpem, mas somos mesmo bons»). Não tarda, também, e há-de descobrir-se que a Espanha se está apropriando do «nosso» Nobel. Com o aval do premiado, para mais. Mas também Perico tem de acudir a alguns fogos. Re21 tem os galegos que desejam integrar a Lusofonia na conta de «indivíduos com graves problemas psicológicos», pior se pretenderem também adesão à Comunidade de Países de Língua Portuguesa. «Desiluda-se, caro Omar», escreve ele, «tudo não passa de um factor político com um determinado objectivo muito concreto, se pertencessem à CPLP. Era um meio caminho para mais um conflito político e quiçá mais um conflito armado tipo Kosovo. Era obrigar os governos da CPLP a defenderem diplomaticamente os seus [galegos] ideais 12 independentistas. Era, no máximo do impensável, obrigar a uma suposta intervenção militar». Isto obriga Perico a chamá-lo à ordem: «Você, si eu não entendi mal, defínese como de esquerdas e, no tocante ao tema galego, coincide exactamente coas posturas que aqui defendem as direitas». Omar e Francisco apoiam-no. Mas, nitidamente, nenhum vê em Re21 um caso perdido. Ademais, ele diz conhecer e amar a Galiza, e os galegos, e sobretudo as galegas. Agora essa «afinidade» de Portugal com a Galiza, isso é coisa «absurda». No fórum, a questão da adesão da Galiza à CPLP será debatida longa e recorrentemente. Suspeita-se que Fraga bem a desejaria, caso o pudesse fazer, como escreve Francisco, «de cabeça erguida e com uma boa oferta». Isto é, não pedindo, mas a convite. Bastava, aventa-se, que a CPLP criasse, em vista da Galiza, um estatuto de ‘nações em Estado’. Assim, nem Fraga nem Portugal desafiariam o Estado espanhol, e estaríamos todos no melhor dos mundos. Surge, mesmo, uma sugestão: pedir-se a opinião de técnicos independentes, e eles que decidam pela identificação, ou não, do galego com o português. Se o resultado for ‘sim’, também Madrid cantará pianinho.ix

«A tua bandeira cosida à minha»

Entra 1999, e Francisco vai de novo à Galiza. A 8 de Janeiro, ainda en Braga, escreve, folião: «Leixada deixo ao meu amigo Omar uma forte aperta!!!». Em Vigo é recebido afectuosamente por Perico. Dias depois, já regressado a Lisboa, escreve: «Só falei em português e toda a gente me entendeu». Todavia, para seu espanto, nas lojas falavam-lhe sempre em castelhano. Perico explica como as coisas se passam. Um primeiro caso. A pessoa entra num bar e dirige-se ao 13 empregado em galego. O empregado responde-lhe em espanhol. Minutos depois, ouve o empregado falar galego com um colega. Outro caso, ou o mesmo. O empregado pergunta-lhe se é professor. Explicação? É que são os professores quem mais fala galego «‘sem ter porquê’». Mais outro automatismo. Os adultos falam galego entre si, mas a uma criança dirigem-se em espanhol. Outro ainda. Na aldeia falas galego. Mas, transpostos os limites da cidade, mudas também de língua. «Isto, meu caro amigo», escreve Perico, «chama-se auto-ódio e é produto da colonização». Mas, é verdade, «cada vez menos pessoas reagem mal ao serem abordadas em português». Pena, só, que jogadores brasileiros e portugueses, entrevistados em galego, respondam em castelhano. «Um gesto de desprezo pelo país que lhes dá trabalho». E quanto à sua experiência em Portugal, pois bem: falando ele galego, nas ruas, nas lojas, respondem-lhe em espanhol. Ou em inglês. Na melhor hipótese, ele passa por um espanhol que se esforça por falar português. Entretanto, escutando, reflectindo, Re21 vai, pé ante pé, aproximando-se. Começa por elogiar a página do Terràvista que Francisco fez sobre a Galiza. Depois, formula este voto: numa Galiza autónoma, «El Rey deveria hablar galego». Perico responde: «Que o rei fale galego acho bem, mas preferia que não se denominasse rei dos galegos». Sim, dirá dias mais tarde, o problema do galego é de ordem ‘nacional’. «É como se o presidente português antigamente fosse a Angola e dissesse umas palavras em umbundo, ‘porque todos somos portugueses’». É duma exactidão que arrepia. Ao começo da noite de 25 de Abril, Omar Salgado tem uma notícia. Avenida da Liberdade abaixo, desfilou um grupo de galegos com faixas e escritos, que não pôde ler. «Mas vi», escreve para Vigo, «a tua bandeira cosida à 14 minha e agitadas ao vento, prolongando-se uma na outra». Perico sabe que não é a primeira vez, mesmo em Portugal, e informa: «No Primeiro de Maio de 74, nos Aliados, no Porto, havia muitas bandeiras galegas apesar da situação aquém Minho. Todos os 25 de Julho, dia da pátria Galega, e desde muitos anos antes da morte de Franco, há muitas bandeiras portuguesas em Compostela». A aproximação de Re21 vai dar um passo decisivo, e isso a pretexto de Méndez Ferrín. Anunciara o escritor na TV portuguesa a publicação entre nós dum livro em galego, «para dar a conhecer aos portugueses a língua dum país ocupado pelos imperialistas castelhanos». Re21 comenta que, a esse, não se lhe chamará «integracionista [sic] da Galiza em Portugal». Perico informa-o então ser Ferrín, nesse momento, o escritor galego vivo mais conhecido a sul do Minho. E acrescenta que ‘integracionistas da Galiza em Portugal’, não os conhece. Mas Re21 rejubila. Há finalmente um galego que ele compreende: Méndez Ferrín. Um que define com nitidez o ‘seu’ país, a ‘sua’ língua. Perico bem insiste em que, no essencial, ele próprio coincide com Ferrín. Com efeito, ambos visam «o reencontro do mundo galego com o português». Mais: ambos lamentam estar Portugal, «com a sua atitude e a sua cobardia ao respeito de Espanha, a empurrar a Galiza justamente na direcção que Espanha quer». Dias depois, instado por certa «Paula» a pronunciar-se sobre se «os galegos gostariam de pertencer a Portugal», Perico escreve com uma eloquência muito sua: «O achegamento a Portugal é óbvio, pois é o entorno natural do idioma e da cultura galegos. Mas isso não quer dizer que a Galiza queira ‘pertencer’ a Portugal, entre outras coisas porque de ‘pertencer’ estamos fartos». 15

Reintegracionista «com dúvidas»

Em Setembro de 1999, no auge da questão de TimorLeste, Francisco decide ir alertar a Galiza para a repressão indonésia na ilha. Organiza, para isso, uma concentração em Santiago e dirige uma petição ao governo central e aos parlamentos central e autonómicos. Facto é que, no dia seguinte, o parlamento da Galiza apoia uma intervenção internacional. Isso alegra mas não desmobiliza Francisco, que de novo acende velas por Timor no centro do Obradoiro. Quem tudo isto conta é Perico. Ele vinha, aliás, mantendo os amigos portugueses ao corrente do que pudesse interessar-lhes. Assim, informa-os de que o eurodeputado Camilo Nogueira se exprime em galego como língua de trabalho em Estrasburgo, língua que soa português para os intérpretes. Informa-os de que Carlos Casares, o presidente do Conselho da Cultura Galega, acabava de reabrir a questão da ortografia, qualificando de ‘extravagante’ a autonómica. Mas Perico também se queixa de ser o único galego na lista, não lhe agradando ser visto como porta-voz da Galiza. Isso inspira outro galego a intervir. E é assim que entra na conversa «Camilo Magdalena», também de Vigo, um «reintegracionista com dúvidas». A sua primeira preocupação é averiguar até que ponto em Portugal se sabe que a Galiza fala uma «variante» do português. Omar inclina-se para uma generalizada ignorância. «Ji», uma lisboeta que acaba de visitar a Galiza, opina que ali ouviu um idioma diferente do seu. Camilo, licenciado em ciências empresariais, que começou por escrever em português padrão, passa a grafar em ‘normativo’, para trazer melhor informados, diz ele, «os que non saibades de qué vai o conto». Os portugueses 16 não parecem incomodados, e Re21 até rejubila. Em vésperas natalícias, vemo-lo exprimir-se num boleio algo mágico: «Força, Perico e Camilo! Um dia a Galiza será um País Independente e Livre. Continuem a lutar pela vossa própria identidade enquanto cultura e de soberania de vontade mais que virtual. É uma vontade real de um povo, o galego. Um Feliz Natal para vocês dois e para todos os galegos». Quem se preocupa é Francisco, que aconselha Camilo a «experimentar» a norma Agal (e fornece um endereço, hoje de feição pré-histórica). Para convencer o galego da viabilidade da norma Agal, ele próprio, Francisco, tenta utilizá-la. Fá-lo, como já se disse, com grande latidão de critérios. É o mesmo Francisco que, já entrado o ano 2000, debita a seguinte convicção sobre a Junta da Galiza: «Se bem observarmos o [seu] discurso, a ligação mitológica a Portugal não é propriamente abafada, antes exaltada, porque essa é uma óptima arma justificante de existência perante o imperialismo cultural castelhão sobre a aberração portuga, fazendo crer que a Galiza tem a eterna missão de encorajar o seu irmão gémeo a voltar à verdadeira família de Deus Espanha». A frase contém pelo menos um anacoluto, além de vários plebeísmos, e inspirase sãmente na conspiração universal. Mas já é perturbador alguém havê-la produzido. O viguês Camilo volta então a abandonar a «diabólica» norma para aconselhar a leitura de artigos, como um de Valentim Rodrigues Fajim e um de António Tabucchi. Diferentemente de Perico, Camilo não está bem convencido da identidade das línguas, mas vai-se aproximando disso. Advogará primeiro a ortografia portuguesa, afirmará ser o português «o galego culto» (puro Rodrigues Lapa…) e contará ter ouvido em aldeias do Douro ‘um galego muito bom’. Já sobre a intimidade 17 das culturas não lhe restam dúvidas. «Sem nós», afirma Camilo, «não se explica a lusofonia». Com intenção semelhante, havia Perico dito meses antes: «O português somos nós». Re21, cada vez mais entusiasmado, dirige agora uma declaração «Aos Galegos»: «Eu, Luso, sou pela plena constituição de um Estado Democrático Galego. Primeiro, encontrem as vossas raízes, transmitam-nas aos vossos filhos, netos e por aí fora, e daqui a uns anos, quando nós estejamos já feitos em pó, o vosso país há-de nascer. Ou, quem sabe, talvez se assista ao nascimento do País Galiza ainda durante a nossa vida. O Império Soviético também caiu em dias, talvez o Reino de Castela lhe aconteça o mesmo».

«O puto lá do cimo da rua»

A partir de agora, Re21 vai insistir na confluência de pontos de vista com Perico. «As minhas ideias são no fundo as mesmas do que tu no que respeita à Galiza. Finalmente!». Na realidade, o empresário da Marinha Grande, ao apoiar uma independência galega, coincide, não com Perico, mas com Ferrín. Concedido: as questões são complexas, e mesmo paradoxais. É o que Omar Salgado vai exprimir neste ‘tour d’horizon’ dos apoios à causa galega no país a sul. «Espantosamente, em Portugal os detentores dos meios de produção, segundo a ideologia própria da sua classe, acham neo-imperialisticamente que o galego é lusófono, enquanto que a massa trabalhadora, em defesa das mais amplas liberdades democráticas, acha o contrário. Já na Galiza o proletariado, num rasgo libertário contra o jugo castelhano, acha que o galego é lusófono, e os donos do 18 capital explorador acham hegemonicamente o inverso, em defesa da ‘hispanidad’». Também Francisco tenta perceber o enredado da posição portuguesa. Constata uma «‘natural’, instintiva antipatia quando falamos da Galiza» e atribui-a a um «‘natural’ repúdio por tudo o que nos identifique com Espanha», mesmo que só parte dela. E explica: «Identificar Portugal com a Galiza é provar que Portugal é algo que tem a ver com Espanha». É isso que, segundo Francisco, nos assusta. Nada disto pode tranquilizar muito os galegos. E é essa sensação de ‘beco sem saída’ nos apoios portugueses que vai inspirar a Camilo esta página dramática:

Com a chegada da democracia [em Espanha], conseguiu-se que se reconhecera o galego como língua e não um simples dialecto do castelhano. O que ainda não logramos é que se reconheça que o galego e o português são a mesma língua. Para o nacionalismo espanhol é muito difícil reconhecer que uma parte de Espanha fala uma língua estrangeira. Seria o mesmo que questionar a unidade da pátria. Para o nacionalismo galego seria invalidar um dos seus principais argumentos: a existência de uma língua nacional própria. Isso quanto aos galegos. E que pensam os portugueses? Responder a essa pergunta é uma das razões pelas que estou aqui a participar neste foro. E estou a ver que teis os mesmos prejuízos que nós. Se percebi bem – repito, se percebi bem – muita gente sente antipatia pela Galiza porque identificá-la com Portugal é provar que Portugal é algo que tem a ver com Espanha. Se isto é assim, estamos fodidos. 19

Quando o coração está num aperto, a língua torna-se eloquente… E será um Camilo já resignado, e regressado à norma autonómica, que afirmará dias depois:

O que está claro é que a sociedade galega non está preparada neste momento para asumir a idea de que o que falamos sexa simplemente portugués. Non só os españolistas, senón case todo o mundo. Quizá sexa contraproducente plantexar o asunto de frente e subitamente e sexa mellor irmos máis a modo. Por outra parte, tampouco os portugueses sodes conscientes de que hai uns españois alén do Miño que falen portugués.

Um episódio menor vai, ainda assim, reanimar Camilo. Certo «Álvaro» introduzira um tema anódino, mas que Omar Salgado tomaria a peito: o da coexistência, nos portugueses, de sangue «germânico» e sangue «semita». Segundo o interveniente, reina em Portugal algum desprezo pela componente germânica. Depressa se passa à desconversa, mas Omar, divertido, vai estendendo o tema. Aparece então este ‘post’ anónimo e tipo telegrama: «vai pró caralho ó alvaro hitler porco filho da puta nazi». Logo no dia seguinte, aparece um comentário de Camilo: «Duas línguas que dizem da mesma maneira algo como ‘vai pró caralho filho da puta’ têm necessariamente de ser a mesma». A 31 de Maio de 2001, serão encerrados estes fóruns do Terràvista. Sabia-se, estava anunciado. Mas não podia acreditar-se. A última palavra caberá aqui a Re21. Ele foi, de todos, o mais puro, o que nunca teve nada a perder, e que sempre pôde ser instintivo, primário na sua rudeza e no seu lirismo. É um inaudito apelo e um comovedor convite. 20

Estamos numa rua, somos uns putos a brincar, há um que quer brincar connosco, mas nós não deixamos apesar de viver na mesma rua. É tempo de nós, portugueses, deixarmos brincar com a gente o puto lá do cimo da rua. É porque afinal assim toda a rua brinca de uma ponta à outra! E fica uma rua muito mais forte e bonita!

Caros senhores e amigos:

Esta longa e viva conversa entre galegos e portugueses – não universitários, não especialistas, não alinhados – foi conduzida pelo interesse recíproco, pelo empenho no mútuo entendimento. Talvez mais importante ainda: nesse pequeno laboratório duma discussão internética, a questão galega foi, por primeira vez, colocada a um público português. Verificou-se então uma nítida clivagem nas reacções. E se algum erro os galegos pudessem cometer, era subestimarem a complexidade, e os fundos enraizamentos, das atitudes portuguesas. Neste momento, a ‘questão galega’ goza, entre nós, de um interesse residual. Na campanha para as últimas eleições autonómicas galegas, o primeiro-ministro português, José Sócrates, e o futuro presidente da Junta, Emílio Pérez Touriño, produziram um texto conjunto, onde se comprometem a estimular a cooperação transfronteiriça, inter-regional. É, na sua singeleza, o primeiro documento duma ‘política galega’ em toda a História portuguesa. Mas, com isso, ainda está longe de colocar-se em Portugal a ‘questão galega’. Quando um dia tal acontecer, é seguro que encontrará uma imensa reserva 21 de generosidade, mas igualmente um considerável potencial de resistência, e até de rejeição. Isso não precisa de ser fatal. O caso de «Re21» mostra como a rejeição pode ser transformada em generosidade. Mas mostra, também, quanto a generosidade pode, ela própria, coabitar com malentendidos, ao ponto de alimentar-se deles. Serão, sempre, indispensáveis a pedagogia dum «Perico», a informação dum «Francisco», a sinceridade dum «Camilo», a firmeza dum «Omar Salgado». Tenha-se particularmente em conta isto, que é curioso. Uma simples aproximação cultural galega pode, em Portugal, gerar desconfianças. Em contrapartida, uma solução radical, como é a independência da Galiza, consegue levantar autênticos entusiasmos. Compreendese. Se em alguma coisa Portugal se revê, é num país independente, com cultura e língua próprias. Um país arrumadinho, como ele mesmo. O que baralha um português é essa espectacular descoincidência de ‘Estado’, ‘Nação’ e ‘Língua’. Ele descobre, a Norte, um país que é, e não é, ‘Espanha’. Que se reclama de fundas raízes numa História comum com ele, mas provavelmente mal contada. E que fala uma língua que não só difere da do Estado, como poderá ser idêntica à dele, português. É muita areia para a sua camioneta. Mas não se desista. Com pedagogia, com informação, com muita paciência, até os portugueses serão convencidos. 22


Notas !

Veja-se a este respeito: Xosé Ramón Freixeiro Mato, «Unha visión das relacións culturais galego-portuguesas nos anos vinte a través da correspondencia entre Teixeira de Pascoaes e Noriega Varela», Boletín Galego de Literatura, nº 11, 1994, pp. 71-98; «Noriega Varela, poeta lusófilo», Estudos dedicados a Ricardo Carvalho Calero, vol. 2, Parlamento de Galicia / Universidade de Santiago de Compostela, 2000, pp. 275-299; Eloísa Álvarez e Isaac Alonso Estraviz, Os intelectuais galegos e Teixeira de Pascoaes. Epistolario, Sada-Corunha, Ediciós do Castro, 1999; Isaac Alonso Estraviz, «Relações de Teixeira de Pascoaes com escritores e intelectuais», Portal Galego da Língua, VII-2003. !! Maria Alegria Marques e.a. (org.), Correspondência de Rodrigues Lapa. Selecção (1929-1985), Coimbra, Minerva, 1997; Manuel Rodrigues Lapa, Cartas a Francisco Fernández del Riego sobre a cultura galega, Vigo, Galaxia, 2001. iii Cf. José David Santos Araújo, Portugal e Galiza: encantos e encontros, Santiago, Laiovento, 2004, pp. 160-163. !” «Mesa redonda: ‘Sobre a posibilidade de establecemento dunha lingua culta galega’», Dieter Kremer e Ramón Lorenzo (eds.), Actas do Coloquio de Tréveris ‘Tradición, actualidade e futuro do galego’, 1980, Xunta de Galicia, Santiago, 1982, pp. 236-248. v Actas do Congresso sobre a situação actual da Língua Portuguesa no Mundo (1983), Lisboa, Icalp, vol. I, 1985, pp. 129-135 e 439-448. vi Para os propósitos desta charla, interessam contactos, em tempo real, sobre a cultura e a língua na Galiza, e de que tenha ficado documentação. Como já se viu, tenho nessa conta a correspondência. Mas excluo tipos de encontro noutro suporte, ainda que do maior interesse, como os números especiais de revistas que, de um lado e outro do Minho, se foram fazendo. Uma lista com treze títulos figura abaixo num Apêndice. Agradecem-se achegas. 23 vii Só uma sugestão de passagem: poderia ter interesse rastrear as ligações que se vão estabelecendo entre bloguistas galegos e portugueses. Entre o norte e o sul do Minho observa-se, nesse terreno, uma conexão crescente. viii Terá o título de Uma conversa a Ocidente. Portugueses e galegos na internet (1998-2001). ix O idioma não é, nem de longe, o único tema de conversa entre galegos e portugueses. Nem poderá ser, quando Re21 afirma só portugueses e cabo-verdianos saberem o que é a ‘saudade’. Perico tem de informá-lo de que, antes de ser portuguesa, já era galega. Outro assunto que animou as conversas: a decisão da TAP de diminuir o serviço internacional no Porto. Era uma medida que, acentuando a macrocefalia de Lisboa, privava a própria Galiza de nítidas comodidades. Para mais, com uma ligação por via-férrea calamitosa. «Ir de comboio de Vigo ao Porto», escreve o técnico informático, «é a coisa mais parecida a uma viagem Moscovo-Shangai». E como se chama a ponte que une Arbo a Melgaço? «Ponte Manuel Fraga Iribarne». Enfim, um mal menor. 24


Apêndice Números especiais / Dossiers

Seara Nova, número dedicado à Galiza, coordenação de Rodrigues Lapa, nº 425, 7-II-1935 Seara Nova, ‘Homenagem a Castelao’, coordenação de Rodrigues Lapa, nº 1204-1207, 3 a 24-II-1951 Quatro-Ventos. Revista Luísada de Literatura e Arte, 1954-1957, 1959-1960, 1999-… Céltica. Cadernos de Estudos Galaico-Portugueses, Porto, [1961] Vértice, número dedicado à Galiza, nº 367/368, 1974 Nós. Revista galaico-portuguesa de culturas das Irmandades da Fala de Galiza e Portugal, Braga-Pontevedra, 1986-… Colóquio Letras, ‘Nós. A literatura galega’, coordenação de Pilar Vázquez Cuesta, nº 137/138, 1995; nº 139, 1996 [recenseado em: Yara Frateschi Vieira, «A literatura galega e nós», Jornal de Letras, 28-VIII-1996] 25 A Nosa Terra, suplemento ‘Rodrigues Lapa (1897-1997)’, nº 806, 27- XI-1997 Anto, ‘Galiza’, Amarante, nº 2, 1997 Nova Renascença, ‘Homenagem à Galiza’, coordenação de Luís G. Soto, XXX, nº 72-73, 1999 Tempos Novos, ‘Portugal, tan lonxe e tan perto’, nº 51, 2001 Mealibra, Antologia de poetas galegos, coordenação de Carlos Quiroga, nº 13, 2003/2004 Periférica, ‘Portugalego?’, nº 13, 2005


 

 

DOUS LUSISTAS INSÓLITOS: FRANCO E FRAGA. Por Ernestto Guerra Dacal.

 Ernesto Guerra da Cal

 

DOIS LUSISTAS INSÓLITOS:
FRANCO E FRAGA
Em 13 de março de 1994, quer dizer, quarenta e quatro dias antes
da sua morte EGDC deixou escrito em Lisboa e publicado no n.º
38 de Agália “Nótula lisbonense DOIS LUSISTAS INSÓLITOS”
em que denúncia e combate o ditador Franco e o seu ministro
Fraga Iribarne. Como Manuel Rodrigues Lapa disse de Castelão,
poder-se-ia dizer de EGDC que combateu pela Galiza até ao
último alento.

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De Fraga, Presidente da Xunta de Galicia [sic], que se deslocou
mais uma vez a Lisboa – [para] tratar assuntos de índole
governamental – como seja, novas pontes sobre o Minho, novas
estradas de comunicação rápida entre a Galiza e Portugal [nada diz
da ligação ferroviária], além de outras matérias que tinham a dizer
com os abundantes investimentos galegos neste país [Associação
de Empresários Galegos] e em geral as relações bilaterais cada vez
mais estreitas, afirma EGDC uma certa satisfação íntima de ver o
Presidente da Galiza ser tratado e recebido como um Chefe de
Estado pelas autoridades da República portuguesa. EGDC constata
Fraga usar o galego, ao contrário de Fernández Albor; de González
Lage constata o seu “castrapo” requintadíssimo.
Continua EGDC com Fraga sinalando que assinou um protocolo
com a Universidade Nova de Lisboa para criar um Programa de
Estudos Galegos nessa Universidade e proferiu uma conferência [à
que parece assistiu EGDC] sobre Álvaro Cunqueiro no auditório
do “Círculo Eça de Queiroz” cujo texto... enxameava de elementos
lexicais portugueses. Vocabulário esse cuja presença em qualquer
publicação da Galiza que aspirasse a um subsídio legal provocaria
a imediata e fulminante NEGAÇÃO do apoio oficial. Fraga...
exprimiu-se num galego que ele tentava aproximar do português...
muito além do que defenderia um radical “reintegracionista”...
Manifesta EGDC que a conduta linguística de Fraga “se não é

lusista, eu não sei que outra possa ser”.
Realça que numa entrevista em que desenhou os planos galegoportugueses do “Eixo Atlântico”, Fraga afirmou que galegos e
portugueses “falam basicamente a mesma língua”. E acrescenta
EGDC: “Quem não conheça, no seu dia a dia, a acirrada – e por
vezes grotesca e maldosa – perseguição profissional, social e até
pessoal à que estão submetidos na Galiza todos aqueles cidadãos
que, no seu uso do seu direito, de qualquer maneira propugnem a
aproximação linguística galego-portuguesa, pensaria, à luz do seu
comportamento em Lisboa que o presidente Fraga é um lusista –
alcunha 'pejorativa' com que as autoridades linguísticas da Xunta
designavam os partidários dessa aproximação. Nada mais longe da
realidade. O Dr. Fraga é inimigo fidagal declarado dos lusistas na
Galiza. O que ficou claro é que o ilustre Presidente fala de um lado
da boca ao Norte do Minho e do outro ao Sul do belo rio: Um discurso anti-lusista habitual, em Santiago, e outro, pelo menos
agora, insólito, em Lisboa. Temos confiança de que um dia não
longíquo e por todas as raízes de toda a índole QUE ELE SABE
TÃO BEM OU MELHOR DO QUE NÓS – este segundo discurso
deixe de ser insólito para se tornar habitual em ambos os lados do
Minho – e de ambos os lados da boca do Sr. Presidente da Junta de
Galiza [sic]”.
Relativamente ao episódio protagonizado pelo “Generalíssimo D.
Francisco Franco Bahamonde, Caudillo de España por la gracia de
Dios”, escreve EGDC: “Seria óbvio lembrar até que ponto
FERINO o Caudilho considerava as culturas periféricas de carácter
diferenciado como daninhas para 'la sagrada unidad de la Patria'...
Que a eliminação draconiana das línguas catalã, basca e galega era
INELUDÍVEL para a criação da 'España Una, Grande y Libre' que
gloriosamente haveria ressurgir das cinzas fumegantes da Cruzada
que trouxe como consequência a SANGUINOLENTA ceifa
realizada na Nossa Terra contra todos aqueles que militavam, ou
mesmo tivessem manifestado simpatia pela afirmação da língua e
dos valores culturais do ethos galaico. Vêm logo à mente os nomes
de alguns dos mártires vitimados pelo furor unitarista: Alexandre
Bóbeda, Ángel Casal ou os irmãos Gerardo e Dario Alvares
Limeses – e tantos outros: a lista é longa.

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Torna-se evidente que o Generalíssimo, por educação, por
profissão e por convicção considerava o galego –
independentemente da sua significação política – como um rude
patois, de gente iletrada, principalmente camponesa, impróprio
para uso por pessoas das classes educadas. Língua que ele até aos
15 anos – terna idade com que partiu para a Academia de
Infantaria de Toledo – só teria ouvido de lábios dos serviçais do lar
materno, ou de peixeiras ou vendedeiras [esquece EGDC que em
Ferrol, a Sociedad Española de Construcción Naval tinha 2300
empregados em 1910 e 3400 em 1930, na sua imensa maioria do
operariado, utente do galego ele e familiares, serviçais, peixeiras,
vendedeiras, maioritariamente]. Atribui a Franco ignorância em
tudo quanto se referisse ao 'Rexurdimento' da literatura galega...
'pois é sabido que a cultura humanística de Franco, mesmo em
castelhano, era rudimentar'.
O assunto que serve de pano de fundo para o incidente que
passamos a relatar é o Pacto Ibérico ou Bloco Peninsular, que
desde 1939 até ao fim da Segunda Guerra Mundial aproximou os
Regimes da Espanha e Portugal num 'Tratado de Amizade e não-
Agressão' que tinha em vista ajudar as duas nações vizinhas a
definir e manter as suas respetivas neutralidades – que foram para
os dois Ditadores, dois difíceis equilíbrios de corda bamba. Os
contactos diplomáticos relativos a esse Tratado culminam num
primeiro encontro dos dois 'homens-fortes', em Sevilha, onde
Salazar foi recebido por Franco, em 12 ou 13 de fevereiro de 1942.
Em dezembro, este, envia o seu novo Ministro dos Negócios
Estrangeiros a Lisboa. E no outono de 1949, ele próprio fez uma
visita de grande espectáculo a Portugal: Entrou no Almirante
Cervera, Tejo acima, desembarcando no Terreiro do Paço com toda
a 'pompa e circunstância', indo depois a Coimbra para receber da
Universidade um Doutoramento Honoris Causa em Ciência
Jurídica [??!!], etc., etc., etc. … Interessa-nos... um pequeno
acontecimento linguístico do encontro entre os dois Ditadores...
registado e posto em destaque pelos dois biógrafos de língua
inglesa mais categorizados do Caudilho [Brian Crozier e George
Hills]. Ambos são, em geral, OBJETIVOS – embora ambos
manifestem certa simpatia pelo biografado. Os dois livros [destes]

apareceram em 1967 e contaram com a aprovação do Regime...
Hills faz a crónica da entrevista em Sevilha... informa que Salazar
foi convidado por Franco e que no encontro estava presente
Serrano Sunher (Ministro dos Negócios Estrangeiros) e fornece o
pormenor de que 'Franco spoke to Salazar in Galaico-Português
wich Serrano [Sunher] could ill understand' [Franco fala a Salazar
em Galaico-Português que Serrano mal podia entender]. 'The
cunhadíssimo complained to his friends that he felt absolutely «on
myown»' [O cunhadíssimo queixou-se aos seus amigos que se
tinha sentido totalmente posto aparte]. Estes factos são
confirmados por Crozier nestes termos: 'Dispensing with an
interprer, Franco talked to Salazar in his native Gallego dialect,
wich is so close to Portuguese that communication was eiser than
usually between Iberians of different nacionality' [Dispensando um
interprete Franco falou-lhe a Salazar no seu nativo dialecto galego,
que é tão próximo do português que a comunicação foi muito mais
fácil do que normalmente é entre ibéricos de diferentes
nacionalidades]”.
Acrescenta EGDC na mesma nota que Hills, linguisticamente mais
bem informado do que Crozier, não se refere ao galego como
dialeto nativo, senão como galaico-português. Anteriormente,
Hills, já tinha informado o leitor de que a língua falada em Galiza
era uma língua românica com uma antiga e refinadíssima tradição

lírica, superior à do resto da Europa.
Prosegue EGDC: “Ficam claros... vários factos importantes: i. Que
o Generalíssimo, coisa surpreendente [nem tanto], sabia falar
galego. ii. Que fez espontaneamente [?] uso do vernáculo nas suas
entrevistas com Salazar. iii. Que evidentemente pensava que o
galego e o português eram a mesma língua. iv. Que o galego em
vez do espanhol criava no seu relacionamento com o líder luso um
clima de intimidade linguística que favorecia os seus objetivos
diplomáticos. Além de permitir-lhe, como um dividendo adicional,
distanciar o seu Ministro de Estado [Serrano Sunher] representante
das tendências filo-Nazis na Corte franquista – que viria ser
afastado do Governo pelo Caudilho antes de findar esse ano de
1942. Ambos biógrafos indicam a fonte donde tiraram o incidente
em causa: Documents Secrets du Ministere des affaires Étrangères de l'Alemagne, (Paris, 1947, 1955. Trad. Esistov) onde se refletem
as conversas havidas entre Serrano Sunher e o Embaixador do
Reich, Everhard Von Stohrer. O ministro espanhol informava
regularmente o Embaixador alemão de todas as atividades
internacionais do Governo, tanto as públicas como as secretas.
Temos, porém, que supôr que esse inesperado impulso por parte de
Franco de dar estatuto diplomático a uma língua pela que ele devia
nutrir profundo DESPREÇO CLASSISTA, foi com certeza uma
manobra da raposia que o caracterizava. Teve consciência de que
Salazar apreciaria favoravelmente a dispensa do interprete e a
mudança para o galego como um ato de aproximação amiga,
como, aparentemente, de facto, aconteceu. Ora, seja qual for a
interpretação que se queira dar à motivação psíquica do ato, ela
não destrói os factos acima enumerados – que hoje em visão
retrospectiva, temos de qualificar – com os critérios dos
SEQUAZES do Dr. Fraga Iribarne na Xunta de Galicia, de
lusismo. Nesse dia de fevereiro de 1942, Franco comportou-se
como um lusista avant la lettre, mas lusista, à mesma. E insólito,
como foi o Presidente da Xunta há poucos dias em Lisboa”.
Nessa altura de junho de 1994, dentre outros, Docentes Contra a
Repressão Linguística na Galiza levávamos anos sofrendo a
repressão, denunciando-a e combatendo-a sem muita compreensão

e menos solidariedade o qual dá ao posicionamento de EGDC,
reiteramos, quarenta e quatro dias antes da sua morte, com oitenta
e três anos, UM VALOR DE ESPECIAL RELEVO.

jueves, 21 de diciembre de 2023

Carrero Blanco. Hace cincuenta años.

 

 Era un día medio lluvioso y frío, estábamos en el aula esperando iniciar la nueva clase que casualmente era la de Formación del Espíritu Nacional (al algo así), que nos daba un joven alto, delgado, elegante y con bigote. Era un miembro de la Falange de Guadalajara. Así se nos presentó en clase y nos hablaba de manera muy cordial, especialmente de la Falange a la vez que le gustaba criticar  negativamente las nuevas corrientes (que eran muchas) de cine y culturales en general. El hombre cumplía muy bien y de forma amena con su cometido de salvaguardar los sacros valores del Régimen que, y nosotros sin enterarnos, estaba agonizando. No recuerdo su nombre, tengo su imagen y pocas enseñanzas recuerdo de él. No me caía bien ni mal, en  aquel COU tan variopinto  en las materias había de todo en cuanto a profesorado, siendo en general muy bueno. Yo de letras tuve la suerte de  ser alumno de Amado de la Cal, un sabio y magnífica persona. El de Historia, Serna me dejó una pegada muy fuerte en mi formación, pues asistía  embobado a sus clases  a la vez que me abría a un mundo nuevo de aprendizaje y lectura de la historia. Gracias a él  tuve siempre esa afición que a día de hoy sigo cultivando como una pequeña pasión por la historia crítica.  Teníamos un psicólogo que nos daba unas clases muy modernas y tal y tal, no dudo de su eficacia, pero me quitó todo el gusto y el afán por saber psicología. Paradojas de la vida hoy un hijo mío es psicólogo. Que me perdone el resto del claustro, pero ahora no tengo más recuerdos. Bueno por recordar a una joven profesora de matemáticas especiales, tímida como nadie que estaba roja en clase delante de aquellos muchachotes,  sin darse cuenta que los que estaban rojos y tímidos delante de ella eran ellos. Paradojas de la vida.

      A mi lado y yo al suyo estaba un navarro, Ibáñez, un encanto de compañero y amigo de fatigas y nervios de calendarios, exámenes y demás. 

      Pues bien, ese 20D, estábamos haciendo corrillos en la clase, tardaba un poco el profesor falangista que debía ya estar presente. En unos segundos apareció  por la puerta todo apresurado, fatigado, demudado y emocionado. Nos comunicó que habían asesinado al Presidente del Gobierno, el Almirante Carrero. Todos quedamos consternados y aquel día seguimos las noticias de lo que iban dando y recuerdo aquella voz  sonora, ampulosa y cadenciosa de Torcuato Fernández Miranda, que a la par que colocaba unas raras gafitas de ratón de biblioteca encima de una nariz aguileña,  decía  dirigirse a la nación  y con voz tranquila y firme recalcaba  que se mantendría el orden en el país y la serenidad, y tal y tal. Discurso breve, seguro,  autoritario sin atisbo de emoción. 

      Al día siguiente, o más bien dos días  más tarde, D. Amado de la Cal  nos mandó hacer una redacción al respecto sobre la  figura de Carrero Blanco. Yo la titulé  "Un hombre bueno", el título lo había copiado del "YA", y relataba que iba al cine como uno más , quería mucho a sus hijos, era un fiel servidor del Caudillo   etc. etc. Sé  que a D. Amado no le gustó aquella  ñoña epopeya y que a mí,  pasado el tiempo, pues la había conservado, tampoco. Cada tiempo tiene su expresión y cuando la recuperé  de mis papeles, pasado mucho tiempo, la rompí al momento. Realmente era muy mala. Bueno es lo normal, para eso se inventó la frase de "cuanto hemos cambiado". 

      Pasado el tiempo si me di cuenta que había vivido como un flash un momento histórico importante. Más allá de la  pérdida de la vida  del Almirante Carrero.

       Con el paso del tiempo hemos ido leyendo todo tipo de explicaciones conspirativas que ocasionaron  aquella muerte. La verdad  algunas parecen verosímiles pero no hay certezas. Si hay algunas circunstancias, unidas a suposiciones o conjeturas que con las reglas de la lógica pudieran dar  un resultado. ETA fue la autora de la calle Claudio Coello, tal como sabemos. Argala jefe del comando era un etarra muy ideologizado en el mundo de la extrema izquierda más allá del independentismo  y que tenía muchos contactos en Madrid con la extrema izquierda. Fue asesinado años más tarde en Francia de manera poco clara, sin saber quién lo mató. ¿ La Cía., dicen unos, los Servicios secretos españoles, miembros de la Armada Española, la propia ETA? sería interesante saberlo porque podría desvelar algo de alguna vía conspirativa.

       ¿ Fueron los americanos los inductores-impulsores  de forma indirecta a través de ETA? Puede. América  estaba preocupada por la futura transición española, sobre todo después de la Revolución portuguesa. Henry Kissinger se había reunido el día anterior con Carrero muy cerca de donde murió, en la embajada americana. Sí, está verificado que Kissinger, pragmático y frío, detestaba a Carrero y ya tenía abierta la vía de Juan Carlos al que  tutelaban ya en ese momento. Kissinger no soportaba a Carrero, porque este  andava por libre en el tema geoestratégico. Carrero no quería entrar en la OTAN, tenía y estaba tratando de obtener la bomba atómica para España para ser soberano ante el mundo en el plano de la defensa. Esto según dicen esta contrastado y Kisinger en ese momento veía a Carrero, aparte de una antigualla tradicionalista-nacionalista un obstáculo para la nueva vía de Juan Carlos y el mantenimiento de las Bases y la entrada de España en la OTAN. Esta es la vía  conspirativa que tiene más defensores e inventores también. Leyendo a Pilar Urbano en su libro "el precio del trono" en el que dedica doscientas páginas a este tema  de las ochocientas  del libro, se inclina por esta vía, aunque  sin afirmarlo, sólo dando datos y relato periodístico. Pero blanco y en botella para Pilar Urbano queda claro el triángulo o exágono de Cia, Kissinger, Eta etc.  Yo en mi opinión  veo con cierta lógica o congruencia  con el paso del tiempo, pero   sólo es eso, una suposición medianamente articulada.

      Otra vía es que fue sin más ETA.  Otra que fue ETA apoyada y dirigida por fuerzas comunistas interiores, no del PCE de Carrillo, sino otros grupos. Otros opinan que fue ETA pero dejándole hacer los servicios secretos españoles, porque interesaba a ciertos sectores que Carrero desapareciera. 

       No hay respuesta. Que cada uno saque sus propias conclusiones, es lo mejor. Sólo añadir que Carrero fue siempre un hombre en la sombra pero fundamental para Franco. Lo de la suficiencia defensiva con la bomba atómica por lo visto es cierto y esa  convicción que él tenía era muy propia de todo el Régimen, pese a las bases americanas, y que mantenía también la Falange y las gentes formadas en el Movimiento. Piénsese que Adolfo Suárez un hombre educado en el Movimiento nunca quiso entrar en la OTAN. En cuanto al  san Benito de que Carrero se hubiese opuesto a un cambio político y que el Régimen perduraría, me parece inconsistente. El Profesor Villa cañas Berlanga en un reciente libro "la Revolución Pasiva de Franco"  describe a Carrero como el auténtico modernizador del Estado, en contra del falangismo que  expone como un desastre nacional de gestión y evolución política. Carrero impuso a los miembros del OPUS, los llamados tecnócratas en el Gobierno. Estos, especialmente la figura del catalán López Rodó, verdadero modernizador de la Administración, las finanzas y la política del Régimen, a través de sus hombres del Opus,  y en contra de los falangistas que Franco utilizaba para dar colorido cuando eran necesarios y mantener el Movimiento, pero que la gestión estaba en manos de esta gente. La Falange era un desastre que vivía en el mundo mitológico que ellos habían creado. Quién colocó y defendió y buscó hueco a Juan Carlos fue Carrero, y a través de los hombres de López Rodó. O sea que nada es lo que parece. No era políticamente tan ultratumba Carrero, y no sabemos qué reacción futura tendría. Estaba claro que su apuesta era el Rey y la modernización de España, pues ya estábamos relacionados con el  Mercado Común, con las nuevas organizaciones europeas  y se había dado el salto económico brutal de los años sesenta. 

      De todas formas no sé si es verdad o lo he soñado.