DOIS LUSISTAS INSÓLITOS:
FRANCO E FRAGA
Em 13 de março de 1994, quer dizer, quarenta e quatro dias antes
da sua morte EGDC deixou escrito em Lisboa e publicado no n.º
38 de Agália “Nótula lisbonense DOIS LUSISTAS INSÓLITOS”
em que denúncia e combate o ditador Franco e o seu ministro
Fraga Iribarne. Como Manuel Rodrigues Lapa disse de Castelão,
poder-se-ia dizer de EGDC que combateu pela Galiza até ao
último alento.
De Fraga, Presidente da Xunta de Galicia [sic], que se deslocou
mais uma vez a Lisboa – [para] tratar assuntos de índole
governamental – como seja, novas pontes sobre o Minho, novas
estradas de comunicação rápida entre a Galiza e Portugal [nada diz
da ligação ferroviária], além de outras matérias que tinham a dizer
com os abundantes investimentos galegos neste país [Associação
de Empresários Galegos] e em geral as relações bilaterais cada vez
mais estreitas, afirma EGDC uma certa satisfação íntima de ver o
Presidente da Galiza ser tratado e recebido como um Chefe de
Estado pelas autoridades da República portuguesa. EGDC constata
Fraga usar o galego, ao contrário de Fernández Albor; de González
Lage constata o seu “castrapo” requintadíssimo.
Continua EGDC com Fraga sinalando que assinou um protocolo
com a Universidade Nova de Lisboa para criar um Programa de
Estudos Galegos nessa Universidade e proferiu uma conferência [à
que parece assistiu EGDC] sobre Álvaro Cunqueiro no auditório
do “Círculo Eça de Queiroz” cujo texto... enxameava de elementos
lexicais portugueses. Vocabulário esse cuja presença em qualquer
publicação da Galiza que aspirasse a um subsídio legal provocaria
a imediata e fulminante NEGAÇÃO do apoio oficial. Fraga...
exprimiu-se num galego que ele tentava aproximar do português...
muito além do que defenderia um radical “reintegracionista”...
Manifesta EGDC que a conduta linguística de Fraga “se não é
lusista, eu não sei que outra possa ser”.
Realça que numa entrevista em que desenhou os planos galegoportugueses do “Eixo Atlântico”, Fraga afirmou que galegos e
portugueses “falam basicamente a mesma língua”. E acrescenta
EGDC: “Quem não conheça, no seu dia a dia, a acirrada – e por
vezes grotesca e maldosa – perseguição profissional, social e até
pessoal à que estão submetidos na Galiza todos aqueles cidadãos
que, no seu uso do seu direito, de qualquer maneira propugnem a
aproximação linguística galego-portuguesa, pensaria, à luz do seu
comportamento em Lisboa que o presidente Fraga é um lusista –
alcunha 'pejorativa' com que as autoridades linguísticas da Xunta
designavam os partidários dessa aproximação. Nada mais longe da
realidade. O Dr. Fraga é inimigo fidagal declarado dos lusistas na
Galiza. O que ficou claro é que o ilustre Presidente fala de um lado
da boca ao Norte do Minho e do outro ao Sul do belo rio: Um discurso anti-lusista habitual, em Santiago, e outro, pelo menos
agora, insólito, em Lisboa. Temos confiança de que um dia não
longíquo e por todas as raízes de toda a índole QUE ELE SABE
TÃO BEM OU MELHOR DO QUE NÓS – este segundo discurso
deixe de ser insólito para se tornar habitual em ambos os lados do
Minho – e de ambos os lados da boca do Sr. Presidente da Junta de
Galiza [sic]”.
Relativamente ao episódio protagonizado pelo “Generalíssimo D.
Francisco Franco Bahamonde, Caudillo de España por la gracia de
Dios”, escreve EGDC: “Seria óbvio lembrar até que ponto
FERINO o Caudilho considerava as culturas periféricas de carácter
diferenciado como daninhas para 'la sagrada unidad de la Patria'...
Que a eliminação draconiana das línguas catalã, basca e galega era
INELUDÍVEL para a criação da 'España Una, Grande y Libre' que
gloriosamente haveria ressurgir das cinzas fumegantes da Cruzada
que trouxe como consequência a SANGUINOLENTA ceifa
realizada na Nossa Terra contra todos aqueles que militavam, ou
mesmo tivessem manifestado simpatia pela afirmação da língua e
dos valores culturais do ethos galaico. Vêm logo à mente os nomes
de alguns dos mártires vitimados pelo furor unitarista: Alexandre
Bóbeda, Ángel Casal ou os irmãos Gerardo e Dario Alvares
Limeses – e tantos outros: a lista é longa.
Torna-se evidente que o Generalíssimo, por educação, por
profissão e por convicção considerava o galego –
independentemente da sua significação política – como um rude
patois, de gente iletrada, principalmente camponesa, impróprio
para uso por pessoas das classes educadas. Língua que ele até aos
15 anos – terna idade com que partiu para a Academia de
Infantaria de Toledo – só teria ouvido de lábios dos serviçais do lar
materno, ou de peixeiras ou vendedeiras [esquece EGDC que em
Ferrol, a Sociedad Española de Construcción Naval tinha 2300
empregados em 1910 e 3400 em 1930, na sua imensa maioria do
operariado, utente do galego ele e familiares, serviçais, peixeiras,
vendedeiras, maioritariamente]. Atribui a Franco ignorância em
tudo quanto se referisse ao 'Rexurdimento' da literatura galega...
'pois é sabido que a cultura humanística de Franco, mesmo em
castelhano, era rudimentar'.
O assunto que serve de pano de fundo para o incidente que
passamos a relatar é o Pacto Ibérico ou Bloco Peninsular, que
desde 1939 até ao fim da Segunda Guerra Mundial aproximou os
Regimes da Espanha e Portugal num 'Tratado de Amizade e não-
Agressão' que tinha em vista ajudar as duas nações vizinhas a
definir e manter as suas respetivas neutralidades – que foram para
os dois Ditadores, dois difíceis equilíbrios de corda bamba. Os
contactos diplomáticos relativos a esse Tratado culminam num
primeiro encontro dos dois 'homens-fortes', em Sevilha, onde
Salazar foi recebido por Franco, em 12 ou 13 de fevereiro de 1942.
Em dezembro, este, envia o seu novo Ministro dos Negócios
Estrangeiros a Lisboa. E no outono de 1949, ele próprio fez uma
visita de grande espectáculo a Portugal: Entrou no Almirante
Cervera, Tejo acima, desembarcando no Terreiro do Paço com toda
a 'pompa e circunstância', indo depois a Coimbra para receber da
Universidade um Doutoramento Honoris Causa em Ciência
Jurídica [??!!], etc., etc., etc. … Interessa-nos... um pequeno
acontecimento linguístico do encontro entre os dois Ditadores...
registado e posto em destaque pelos dois biógrafos de língua
inglesa mais categorizados do Caudilho [Brian Crozier e George
Hills]. Ambos são, em geral, OBJETIVOS – embora ambos
manifestem certa simpatia pelo biografado. Os dois livros [destes]
apareceram em 1967 e contaram com a aprovação do Regime...
Hills faz a crónica da entrevista em Sevilha... informa que Salazar
foi convidado por Franco e que no encontro estava presente
Serrano Sunher (Ministro dos Negócios Estrangeiros) e fornece o
pormenor de que 'Franco spoke to Salazar in Galaico-Português
wich Serrano [Sunher] could ill understand' [Franco fala a Salazar
em Galaico-Português que Serrano mal podia entender]. 'The
cunhadíssimo complained to his friends that he felt absolutely «on
myown»' [O cunhadíssimo queixou-se aos seus amigos que se
tinha sentido totalmente posto aparte]. Estes factos são
confirmados por Crozier nestes termos: 'Dispensing with an
interprer, Franco talked to Salazar in his native Gallego dialect,
wich is so close to Portuguese that communication was eiser than
usually between Iberians of different nacionality' [Dispensando um
interprete Franco falou-lhe a Salazar no seu nativo dialecto galego,
que é tão próximo do português que a comunicação foi muito mais
fácil do que normalmente é entre ibéricos de diferentes
nacionalidades]”.
Acrescenta EGDC na mesma nota que Hills, linguisticamente mais
bem informado do que Crozier, não se refere ao galego como
dialeto nativo, senão como galaico-português. Anteriormente,
Hills, já tinha informado o leitor de que a língua falada em Galiza
era uma língua românica com uma antiga e refinadíssima tradição
lírica, superior à do resto da Europa.
Prosegue EGDC: “Ficam claros... vários factos importantes: i. Que
o Generalíssimo, coisa surpreendente [nem tanto], sabia falar
galego. ii. Que fez espontaneamente [?] uso do vernáculo nas suas
entrevistas com Salazar. iii. Que evidentemente pensava que o
galego e o português eram a mesma língua. iv. Que o galego em
vez do espanhol criava no seu relacionamento com o líder luso um
clima de intimidade linguística que favorecia os seus objetivos
diplomáticos. Além de permitir-lhe, como um dividendo adicional,
distanciar o seu Ministro de Estado [Serrano Sunher] representante
das tendências filo-Nazis na Corte franquista – que viria ser
afastado do Governo pelo Caudilho antes de findar esse ano de
1942. Ambos biógrafos indicam a fonte donde tiraram o incidente
em causa: Documents Secrets du Ministere des affaires Étrangères de l'Alemagne, (Paris, 1947, 1955. Trad. Esistov) onde se refletem
as conversas havidas entre Serrano Sunher e o Embaixador do
Reich, Everhard Von Stohrer. O ministro espanhol informava
regularmente o Embaixador alemão de todas as atividades
internacionais do Governo, tanto as públicas como as secretas.
Temos, porém, que supôr que esse inesperado impulso por parte de
Franco de dar estatuto diplomático a uma língua pela que ele devia
nutrir profundo DESPREÇO CLASSISTA, foi com certeza uma
manobra da raposia que o caracterizava. Teve consciência de que
Salazar apreciaria favoravelmente a dispensa do interprete e a
mudança para o galego como um ato de aproximação amiga,
como, aparentemente, de facto, aconteceu. Ora, seja qual for a
interpretação que se queira dar à motivação psíquica do ato, ela
não destrói os factos acima enumerados – que hoje em visão
retrospectiva, temos de qualificar – com os critérios dos
SEQUAZES do Dr. Fraga Iribarne na Xunta de Galicia, de
lusismo. Nesse dia de fevereiro de 1942, Franco comportou-se
como um lusista avant la lettre, mas lusista, à mesma. E insólito,
como foi o Presidente da Xunta há poucos dias em Lisboa”.
Nessa altura de junho de 1994, dentre outros, Docentes Contra a
Repressão Linguística na Galiza levávamos anos sofrendo a
repressão, denunciando-a e combatendo-a sem muita compreensão
e menos solidariedade o qual dá ao posicionamento de EGDC,
reiteramos, quarenta e quatro dias antes da sua morte, com oitenta
e três anos, UM VALOR DE ESPECIAL RELEVO.