martes, 3 de agosto de 2021

Faladoiro (lugar no que se murmura)

 

Pierre Lévy: “Muitos não acreditam, mas já éramos muito maus antes da internet”

Escritor, professor e filósofo analisa o impacto das novas tecnologias e a hiperdigitalização em nossas sociedades. “Desde o momento em que há linguagem, há mentira e manipulação”

 
    .-O que distingue o ser humano é a linguagem. E quando foi inventada a escrita, e depois o alfabeto, e depois a imprensa, e depois os meios de comunicação eletrônicos, essa potência da linguagem foi se multiplicando. E penso que isso condiciona todo o resto, toda a evolução econômica, política e cultural. Então, quando se viu, já no final dos anos setenta e começo dos oitenta, que os computadores não eram simplesmente máquinas calculadoras, e sim que, conectando-se às redes de telecomunicações, se transformariam em uma nova infraestrutura de tratamento da informação, vi claramente que o ser humano entrava numa nova etapa.
       .-E como antes você me perguntou se alguma vez suspeitei que este processo de digitalização das atividades humanas iria tão longe, respondo-lhe: ainda não vimos nada, estamos no começo de tudo isto.
    

     .-  P. Mas ao conceito de inteligência coletiva que você estabeleceu em 1994 podem ser contrapostos outros: ignorância coletiva, maldade coletiva… Qual deles você acha que pode mais nas sociedades hipertecnologizadas de hoje em dia?

R. É uma pergunta legítima. Quando eu falei de inteligência coletiva há 27 anos, evidentemente estava defendendo um uso ético e socialmente positivo da tecnologia. Mas o que eu queria enfatizar era sobretudo o aumento evidente das capacidades cognitivas. Por exemplo, o aumento da capacidade de memória através da sua externalização nos meios digitais. E, veja você, se hoje em dia você não se lembrar de algo neste momento, digita no Google e pronto. Uma imensa memória está à nossa disposição. Agora, essa externalização da memória já tinha começado muito antes: uma biblioteca na verdade é isso.

     .-Está claro que as pessoas não se tornaram piores ou mais sensíveis às teorias conspiratórias por culpa das redes sociais. Rumores absurdos surgiram ao longo de toda a história. Houve muitos genocídios antes que a internet existisse, não? Nem no Holocausto judaico, nem no genocídio armênio nem nos massacres de Ruanda existia a internet. Muitos não querem ver, mas já éramos muito maus antes que a internet existisse, pode acreditar.

     .-É evidente que os sistemas educacionais têm que evoluir, há um grande atraso nisso. ..... As novas tecnologias digitais não são só ciências exatas, também podem ajudar muito às ciências humanas e sociais.

P. Não acha que esse déficit de atenção —mas não só nos jovens— seja um dos cânceres das sociedades digitais atuais? A avalanche de estímulos é tamanha que não há tempo nem espaço para parar para pensar.

R. Estou totalmente de acordo. Acho que faríamos bem em desenvolver exercícios de atenção. Tem gente que pratica exercícios espirituais, e nesses lugares já se tenta fixar a atenção, neste caso por questões do espírito. E cada vez há mais gente praticando meditação. Não é uma coisa qualquer, é preciso permanecer muito atento à respiração, não é algo simples. Sim, é preciso trabalhar a atenção das pessoas, e isso começa por ensinar a atenção na escola. Sem ela, não há nada a fazer. Você pode receber uma avalanche de dados e informações, mas se não tiver cultivado sua capacidade de atenção não tem nada a fazer com tudo isso. Mas não só. Além disso é necessário reforçar nossa capacidade de estabelecer prioridades. A única forma de utilizar e aproveitar essa avalanche de informação de forma positiva é ordenando-a, analisando-a e decidindo o que é importante ou não. Em suma, a chave é: ter capacidade de atenção, estabelecer prioridades e fixar objetivos. Algo assim como administrarmos a nós mesmos, digamos. Ser autônomos.

 brasil.elpais.com


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