viernes, 9 de septiembre de 2022

A proximidade entre o português e o galego é um segredo bem guardado em Portugal − e mais ainda no Brasil.

 No dia em que o Brasil faz 200 anos, falamos sobre o português de cá e de lá (e ainda damos um saltinho à origem da língua).

Marco Neves, no "Certas Palavras" . 

     Mais uma vez, não podemos deixar de colar um texto sobre a língua  galega, visto tão acertadamente, como sempre, por M.N.

 

9. De regresso à origem: o galego

Regressemos, agora, à origem. Também sentimos a estranheza da proximidade quando encontramos textos galegos. Reparemos nas primeiras palavras do livro Ela, maldita alma, de Manuel Rivas:

Aquela primavera chegara axiña e en demasía. Á hora do café, pola fiestra que daba á horta, Chemín mirou a festa de páxaros na vella maceira florida.

Um português que não conheça o galego fica baralhado. Neste caso, a expectativa da maioria dos falantes vai no sentido de encontrar diferenças. Assim, a proximidade que existe é surpreendente: a língua dos galegos não parece tão distante da nossa como pensávamos. A proximidade é suficiente para querermos corrigir o acento em «á»… A proximidade entre o português e o galego é um segredo bem guardado em Portugal − e mais ainda no Brasil.

O galego partilha com o português várias características: os artigos definidos, a queda do «n» e do «l» em certas posições, os diminutivos − e muito, muito mais. Quando a nossa fronteira norte foi estabelecida, há tantos e tantos séculos, o material linguístico de um lado e do outro era muito semelhante. Depois da criação de Portugal, a linguagem das ruas transformou-se, a sul, na língua oficial do reino, com gramáticas, norma, uso na Corte − isto, claro, ao fim de alguns séculos, que o processo não foi nada rápido.

A norte do Minho, as pessoas continuaram a falar o que sempre falaram − mas, depois do florescimento literário medieval de que todos ouvimos falar na escola na forma das Cantigas de Amigo, a língua ficou nas ruas, com pouco uso escrito e formal.

Só no século xix, o galego renasce como língua literária − mas note-se que nunca morreu. Esteve apenas a ser usado no lugar onde as línguas nascem, se desenvolvem e morrem: nas bocas dos falantes. Uma larguíssima maioria de galegos sempre usou o galego como a sua língua do dia-a-dia. Se aterrássemos numa rua galega do século xix, seria difícil ouvirmos conversas entre galegos em castelhano.

Quanto ao uso oficial do galego, só o encontramos no final do século xx − precisamente quando o uso real, na rua, começou a diminuir. Hoje, o galego é uma das línguas oficiais da Galiza − mas já é usado por uma minoria da população.

Existem duas normas: o galego reintegracionista − defendido por quem usa a proximidade linguística para reintegrar o galego no mundo da língua portuguesa − e o galego oficial, ensinado nas escolas, usado nos meios de comunicação social e em muitos livros e que encontramos nas placas da estrada quando vamos à Galiza. Este galego oficial usa «ñ» e «ll» (e muitos «x»), enquanto o reintegracionista usa «nh» e «lh» (e o «j»/«g» onde a versão oficial usa o «x»). Mesmo dentro de cada campo, há variações, mas não vale a pena falar delas agora.

10. Uma questão de proximidade

Para tentar mostrar de forma um pouco mais visual a relação entre o português e o galego, uso novamente as pirâmides.

Figura 3 − Pirâmides ligadas pela base

O desenho é uma simplificação, claro. Mas o que quero dizer com ele é que há uma maior proximidade entre as formas populares e informais do que entre as normas. Se a proximidade das normas brasileira e portuguesa nos podem levar a pensar que a língua das ruas está mais próxima do que realmente está, no caso do galego, acontece o contrário: se olharmos para as normas, ficamos convencidos de que estão mais distantes do que realmente estão. É fácil encontrar palavras nos dicionários galegos que são palavras populares em Portugal.

Sublinho a proximidade que existe entre o português de Portugal e o português do Brasil − mas também entre o português e o galego. Uma proximidade que convive bem com as nossas antigas e desejadas separações políticas. Afinal, somos um país antiquíssimo − para quê ter medo do que nos aproxima de outros povos?

 

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