sábado, 14 de mayo de 2022

Lendas da minha aldeia. De quando monsenhor Temiño Saiz, bispo de Ourense veu de visita a Baltar.

 " Estes nomes soterrados durante anos e anos sob aluviões de olvido, ascenderam obedientes das profundezas da memoria quando a necessidade os  convocou, como uma boia de cortiça retida no fundo da agua que de repente se tivesse desprendido da amálgama do lodo." 

 Deixa-te levar perla criança que foste.  ( o livro dos conselhos).José Saramago

 De quando   monsenhor  Temiño Saiz,  bispo de Ourense veu de visita a  Baltar. 

 Era pelos meados do ano 1964,  eu tinha oito anos, pra nove, e recem   ja fizera a primeira comunião. Daquela pois estava  pronto pra receber o sacro sacramento, desculpas pela redundância,  da confirmação, que tal como o seu nome denota, era mais ou menos  uma reafirmação da fé ò mesmo tempo que a Igrexa recebia-te já como membro consciente e públicamente practicante da ortodoxia romana. Naquela altura  se a Santa Nai  via alguma pequena tacha de familia ou que a cabecinha do rapaz não ia de todo bem, então não podia pasar esta prova definitiva. A confirmação era administrada, normalmente, na adolescência na que se supõe que o individuo tem já uma maior consciencia e liberdade para livremente dar o seu consentimento. Eu e algúns dos meus  companheiros de idade, ainda não estavamos nese sarilho testosterónico da adolescência, e por tanto iamos com algo de adianto, o tal consentimento. ¿ Então porque motivo iamos andar adiantados e não esperar a cumprirmos os quinze, ou dezasseis?.   A resposta era simples. Ia vir o senhor bispo de Ourense de visita apostólica a parróquia, cousa que rareava naquela altura e então ia, para aproveitar o seu tempinho,  confirmar  um lote grande de rapaziada. O senhor cura, lógicamente,  tinha que aproveitar a ocasião. Pois a confirmação era administrada segundo cadrasem as  visitas episcopais, e isto  podiam ser catro anos como também podiam ser  oito. Os anos de demora emtre as visitas da sua reverendissima eminência para achegar-se  a estes lares, não tinham um padrão fixo. Aquelas alminhas lá da montanha não iam fugir pra ningures além diso para percorrer a extensa diócese de Ourense com aqueles  incómodos caminhos  e as duras comodidades nas suas estàncias nas casas parroquiais  faziam dura a vida so senhor bispo.

     Assim pois, então, tal como parece vistas as circunstâncias,   fum um homem afortunado. Pois sim.  Um domingo don Manuel, o cura párroco,  no remate da missa dominical, deu os freguesês a nova de que para dentro de três meses o senhor bispo de Ourense anunciara  a sua visita pastoral, assim chamada, a nossa parróquia. Estas visitas eram feitas  por o senhor bispo , já disse, cada   catro, seis anos ou oito , mais ou menos,  como mínimo. Para entendermos vinha a ser como  cando hoje recordamos que  vai haver umas  olimpíadas. São destas cousas que não passam de ano em ano e cando eres cativo parecem não acontecer numca.  Naquela altura, esta brincadeira de comparar a vísita do senhor bispo e as olimpíadas não calharia moito bem no pensamento políticamente correto. Poucos saberiam daquela,estou a referirme a gente corrente, do que estavamos a falar,  pois ainda  estava recem chegada a televisão e o das olimpiadas não nos era familiar, nem ouvira-mos falar delas. Além disso esta mistura de espiritualidade e terra não era o habitual, já fosse pelo  respeitinho ou  medinho que tinhamos pelos asuntos clericais,  já fosse pelo temor de Deus,  ou mais ainda pelo temor os curas que representavam moi bem o tal temor, o caso é que tudo  influenciava em nós para  não falarmos destas cousas e sermos sempre moi corretos. Pois não eram os melhores tempos para misturarmos alhos com bugalhos e dar malos entendidos para os vigilantes da ortodoxia e a heresia.  A gente não sabia o que eram as olimpiadas, em troques sim a gente sabia o que era  a visita dum  senhor bispo. Um grande acontecemento. Daquela, alí, em que o tempo parecía aquietado  ainda nem ar de progresso havia, mas os medeivais usos e costumes ainda perduravam. 

      A noticia, da visita,  caiu como um alegre estrondo  naquel templo ateigado de xente  que andava a cumprir disciplinadamente co preceito de santificar as festas e a obrigação de asistir pelo menos  a missa do domingo, além de cumprir co  minímo preceito de confessar e comulgar uma vez o ano. Eram as obrigas do cristiano básico para obter  as acreditações, tão necessarias naquela altura, de pertecer e cumprir coa Santa Nai a Igrexa. A missa ainda era em latim pelo o que só se ouvia falar o presbítero celebrante e mais o seu sacristám. Este posto de ajuda nos oficios divinos no altar era para um rapaz ou moçote, com preparação em escritura e leitura o qual não era o mais comúm, já que tinha de aprender a contestar de memoria os rezos em latim. Isto era assim porque o sacristám oficial era um homem adulto que tocava as campás, fechava e abria a igrexa etc.  e não dava aprendido o latim, salvo excepções. A escolha e a preparação do rapaz ou rapazes no seu caso, era feita  pelo mestre da escola que era o que melhor conhecia as faculdades e sobre todo o tempo que tinha o rapaz para mergulhar-se naquela aventura do latim. Se os pais, como era o mais comúm, eram labregos o neno à saida da escola tinha o tempo ocupado para ir coas vacas os prados ou o monte, então o candidato tinha que ser por força filho dum cabaneiro que tinha as tardes livres pra folgar e andar à solta de tunante rua arriba rua abaixo. O eleito latinista adicava días a estudar e a repetir coma um papagaio aquelas preces num  palavróiro que não entendia. Assim cumprindo, eu filho de cabaneiro,  cos requisitos enunciados o mestre decidiu prepar-me para o posto de sacristam imitador de Cicerón e Tito Livio. Quando a visita chegou eu andava já  de recem sacristám-ajudante do culto e tivera que aprender aquele librinho numa linguagem bem diferente do castelhano, que se lia na escola, mas imprecindível para falar com  Deus na celebração da missa.  Dende o "Intro altare Dei", o  "confiteor", o "Dominus vobiscum", o  "pater noster qui est in celis",o "credo in unum Dei", até  chegarmos o  desejado ite missa est, pra rematar e sair. Esta geringonça, com perdão, acabou  tendo para mim um som familiar que  mais tarde passaria a ser, no seminario ,posteriormente , companhia de viagem  da minha vida. Ainda que o passo do tempo e o desuso do latím, incluso dentro da Igreja, faça parecer que tudo aquel estudio quedou em fumo e que ficou no olvido, nada é o que parece e um posso cultural fica no profundo do homem de hoje e jovem de então. Pois,  quer se queira quer não,  tudo , seja bom seja mau, contribue na propria formacão e toda  experiência sempre deixa uma pegada, no meu caso pode ser o  gosto pelas   palavras,  as etimologías das mesmas e o  respeito e curiosidade pelas diferentes falas ou formas de falar. Seja como for calha bem o dito popular cando diz  que o saber não ocupa lugar, ou seja que não me fixo mal nenhum o aprender aquela  missa em latim. No obstante o meu caso co latím não tem mérito nenhum  se o comparades co caso do "Pepe do paxarinho". Era iste naquela altura um mozote que gostava de contar anedotas, brincadeiras e historias picantes que ele ouvia e gostava de expor a grupos de adeptos que arredor dele escutavam o que ele dizia. Mais ou menos  como se de um cómico do " club da comedia" se tratasse", o Pepe repetia os responsos dos enterros completos,  a sua maneira, numa especie de idioma inventado que era o latim que ele percebia daqueles coros de curas cantando-lhe o defunto dende a casa até o templo. Quanto  mais rico fosse o  defunto, mais responsos tinha. A mais dinheiro por responso mais longo era o cántico latino. Eu escoitei o Pepe,  por vezes, naquelas assembleias espontáneas  recitar, a peticião daquela clã. Pepe mandalhe   um responso de cem pesetas, ou de duascentas e incluso algum de quinientas. Eu ficava abraiado ou anonadado que bem sendo o mesmo diga-se como se diga, co canto  gregoriano do Pepe . Nos meus miolos quedaron sempre fixos aqueles responsos inventados e ainda hoje podia recitar parte deles. Quando já supem latím e comprobei o que queríam dizer aqueles preces auténticas e o que eu aprendera do  Pepe, não podia conter a gargalhada. O que aquel homem fabricou na sua mente era uma obra de arte da linguagem. Algo assim tivemos nós que fazer coas canções em inglês para cantâ-las, nem em Inglês nem espanhol senão numa lingua nova inventada.

     Tudo isto do latím litúrxico  estava ainda no seu apoeu, embora a este zénit de popularidade quedavam-lhe catro días ainda que nós nada sabíamos nem intuíamos. Estava pronto a chegarem os resultados do Concilio Vaticano II.  Estava-se a prepar-se uma grande mudança na Igrexa, especialmente,  e não só,  na liturgia. O  latím sería um daqueles cambios.  Assim pois, o  Vaticano II andava já no seu  remate,  ainda que nós pouco disso sabíamos. Pouco ou quase nada  nos falarom nem na catequese nem na  escola nem na predicação dominical  diste assunto  do Concilio, no entanto sim foi moi comentada a morte do papa  João XXIII  que foi em pleno Concilio.  Recordo a foto do papa no jornal fumando um charuto, coisa que pra figura que eu tinha dum papa já me fazia destaque, hoxe seria inimaginável. Todos choramos a morte daquel papa e sentiama-nos orfos e desamparados, ou iso era o que a minha virxinal empatía vivia.

      Pois bem, Iste concilio quando empezou a impor as suas mudanças na igreja, em Baltar  foi notoria a  influência moi forte e revolucionaria de súpeto; mas   alí teve uma influência moi rápida e triste. Vou-me explicar.   Os cambios na liturgia em quanto o abandono do latím pelo castelhano, as formas de oficiar o culto de frente os fregueses e mudanças dessa clase, chegaram como em todos os sitios, pouco a pouco e lentamente, estes cambios  salientaveis  deixa-los-emos para outro momento. O cambio rápido, triste e forte, foi uma interpretação feita  "fifty to fifty" entrre o senhor abade e o senhor mestre dos rapazes também havia mestra para as rapazas. Pois bem em Baltar aproveitando que a nova doutrina conciliar dizia que não se devia dar tanta importância o culto dos santos e as imagens sacras, cousa que  já catro séculos antes Lutero andivera a publicar a partires da  dieta de Worms pra diante. Estes dous listos, não tinham influências luteranas não vaiam a pensar, o caso é que eram sagazes oportunistas além de corruptos e podres. Venderam com noturnidade, de  pressa  e as caladas o retábulo central da Igrexa e deixarom nua a parede com pedra viva só co sagrario entalado entre o pedrogulho. Em troques um Cristo grande pendurado do teito por umas grandes cadeias, sustituia o fermoso retábulo de fermosas estátuas policromadas e cheias de gestos alegóricos bíblicos que fora parar o almazém dalgúm anticuario,a saber de que lugar, e que pagou não sabemos se bem ou mal. A desculpa exposta além de que era precisso reformar o templo para fazer o "agiornamento" conciliar, também era precisso pagar as obras de limpeza e remodelação do secular recinto.  A gente calou, eles forom dando por aquí e acolá o relato dos tempos novos que obrigavam a  deixar as igrexas nuas de santos. Assim fomos conscientes do Vaticano II. Estes personagens,  o cura e o mestre do povo,  merecem para lembrarmos as suas façanhas um outro  post ajeitadinho, especialmente o mestre. Era, como é obvio, uma rotura e um  embate de ideias seculares moi repentino e forçado para aqueles mentes labregas e simples. Quando os mais listos do povo foram cientes de tamanha  armadilha, não fizerom nada, ninguém alçou mais acima a voz além de ficarem no  lamento e no murmúrio rueiro meio  afogado pelas esquinas. Forom estafados, enganados, vulnerada a sua memória histórica o retirarem-lhe aquela obra artística que os seus antepasados pelo menos por trés séculos, tal vez mais,  ademiraram e adoraram como mitos familiares. Era a sua propiedade, mas eles não se sentiam propietarios da historia colectiva sem discernir, ainda hoje é assim, se certos bens históricos são propiedade da Igreja ou ela é uma simple administradora temporal na historia da posesião.  Eles, o mestre e o cura,  sabiam que este povo acalmado, sossegado e bem amansado pola historia e o poder secular de senhorios eclesiásticos seculares, detentadores da meirande parte das terras forais, não tinham forças nem para lamentos , e podiam fazer e desfazer sem mais.

Imaxe

      Desculpas pedir-vos-ei, e pedo-vo-las,  se chegastes até aquí na leitura  deste post, pois deveria estar a relatar  já a visita espiritual do nosso bispo, asim foi o trato inicial, mas o tema eclesiástico é tão suculento e tão presente nas vidas daqueles anos que  o começar nele, da tanto para contar que  é como quem penetra na espessura duma  floresta cheia de matugueira que para andarmos por ela é precisso afastarmos mato e arbustos que vão aparecendo  como se fossem  recordos dos que o nosso  cérebro vai  tirando  como quem tira dum novelo de lã. 

     Bom, pois, anunciada a visita o povo començou a preparar-se intensamente,  para o evento. Eu viví tudo aquilo com muita intensidade.  Na escola o senhor mestre dos rapazes, suponho que também passaría igual coa mestra das nenas, adicou a maior parte, por não dizer toda,  a preparar a escola na parte  inteletual da religião cristiana.  A preparação especialmente era para aqueles que nos iamos  confirmar,pois o senhor bispo antes do ato sacramental fazia uma exame os aspirantes o sacramento, e repetiam-nos muito que se algúm falhar nas respostas as preguntas,  o senhor Bispo podia sinalarmos alí diante dos fregueses e rexeitarmos pra sermos dignos do santo sacramento. Imginemos o stresse e  o medo que aquelas alminhas  podiam chegar a sentir só por pensarem que naquela multidão de gente na igreja aquela autoridade delegada da divinidade pronunciara a terrível frase: " por el poder que me confiere mi  ministerio a este/a jove, o señor/a no le será de momento administrado el Santo sacramento de la confirmación". Naquele ambente triste de silêncio sepulcral dava  medo, só de pensar no retumbar entre as pétreas bóvedas da nossa igreja, que atinam pro gótico,   tal frase dita num  solemne castelhano burgalés, tal como era o do nosso   Bispo monsenhor Temiño.

      As charlas tanto do mestre como do cura tinham uma línea de preparação. Primeiro de todo, louvarom e ennobrecerom a figura dos bispos. O poder da capital da provincia estava moi longe. Ouviamos falar do Gobernador Civil e do bispo. Este tinha um  grande poder tanto real como  sobre todo espiritual.  Se o Papa representa a Deus, neste caso a Cristo que também é Deus tal como reza o misterio da Santíssima Trinidade, o bispo na sua diocese representa o Papa, ergo representa também a Cristo naquele territorio. Estamos a falar de seres ultraterrenais que tenhem com Deus um contato moi diferente o nosso, pobres pecadores terrenais. O bispo tem também poderes terrenais na procura dos bens da Igreja na sua administração mas o seu mais grande poder e a sua orientação pastoral e organização  e mando das parroquias, os curas, as monxas, os mosteiros etc. Só pensar que na Galiza no finais do século XVII a terceira parte da população galega trabalhava  como rendeiros nas terras dos senhorios eclesiásticos. Na nossa parroquia o cura administrava os diestros ou terras que prestava em exploração rentista. O bispo vive num grande pazo na capital, tem um séquito de gente eclesiástica para administrar todas as funções episcopais. Ele veste com fatos distintos dos curas em geral, fatos para distinguir-se e sinalar a sua jerarquia. No dedo meio da  mão direita os bispos distinguem-se por levar de forma ostentosa e um grande anel  que remata numa pedraçde cor azul que paresce um diamante. O anel é além duma característica especial e uma obriga o beijo no anel cada vez que se atopa um co bispo para alinhar o respeito do beijo deve fazer-se uma pequena reverência de humilhação co corpo, ou fincar um pouco um joelho comtra o chão. O senhor mestre insistiu moito neste ponto do anel e o beijo o bispo. O anel tem uma pequena reliquia e co beijo o cristião ganha algum tipo de pequena indulgência. O do beijo no anel era moi repetido pelos comentarios da gente en geral, era precisso gardar e exagerar as formas para darmos a imagem dum povo cultivado e que o senhor bispo  vise e acredita-se de  não  sermos uma aldeia rústica e perdida. 

     O bispo era alto, gordecho e amplo de espalda. Face arredondada, o cabelo  já branco adornava uma cabeça grande na que se via um  pequeno bonecinho  roxo que levam os bispos no meio da cabeça, onde os curas antigos tinham a tonsura, que era uma pequena coroa pelada que tinham os que, já moi de antigo para distinguir os consagrados a vida eclesiástica.  A sotana,  bem cinguida  comtra as carnes que puxavam por exhibir-se.Arredor duma punxente barriga amoldava-se uma especie de faixa de cor vermelho nobre, de igual cor co bonecinho de cabeça, que resaltava toda a sua figura. Nos ombreiros um pequeno capotinho de cor negro rebeteado cuma fina linha  de vermelho nobre. Não usava óculos e dava a apariência dum home forte e rude incluso no seu groso falar. Não era o prototipo meigo e suave de moitos curas e bispos, mas parecia um homem de ação e decisão. A sua figura impunhase ainda mais misturada e embrulhada pelo  boato litúrgico  além da nossa predisposição a adoração da sua figura.  

      O día antes das cerimonias de confirmação  chegou num automóvel robusto e amplo de cor negra, moi parecido o que  lhe víramos a  Franco  na  televisão  numa visita a  Barcelona. Ele ia de pe naquel automóvel negro descapotado e todas as pessoas a berrar incessante  Franco, Franco, Franco...... O automóvel  do senhor bispo moviase com lentidão e solenidade naquela estrada de terra  o tempo de levantar uma pequena poeira. Naquela altura, ainda que pareça raro, não havia nenhum  coche que chamemos de turismo ou pequeno, nem  tipo aiga que traiam os chamados americanos ou emigrantes em America. Só havía dous velhos camions de dous negociantes que levabam e traiam vinho, patacas e comestiveis varios. O transporte de pessoas faziase  por meio do autobús do Auto Industrial ou a Línea que fazia um só servizo de saída dende Baltar  as sete da manhã e volta as oito da noite também até Baltar.  Aquel dia anterior a cerimonia o senhor bispo co seu automóvel  deu umas voltinhas pela redondeza, pouco pudo mover-se pois  quer se queira quer não era arriscado andar entre o  bulheiro daqueles caminhos que estavam feitos para terem  como utentes os carros de vacas . Viu-se ir pelos barrios de  Carreiracova seguir pela estrada até a Penela, depois foi-se adentrando no Outeirinho e visitou as escolas, dalí segiu e já foi pro Eiró e dalí baixou a casa reitoral, deixou de pasar pela Adreira e a Aldeia dabaixo. Seja como for a sua figura foi vista um pouco pelo povo, ainda que a gente impunha-lhe respeito e andava as escondidas com ele, no pouco que se deu a ver. No meio diste percorrido  foi moi comentado que chegou um momento que fez uma parada  na estrada  na zona diante da tenda da  senhora Herminia e que saiu a fora para fazer as benvindas o senhor Juán ,o marido da tendeira e também dirigente no negocio. Dizia-se, com certa sorna que o Juán   não fora moi ciente o não percevera com clareza a presença da autoridade que alí estava ou que fez um certo dissimulo. Seja qual for a causa o caso  e que ficou meio  pampo o ver baixar  catro homes de sótana lustrosa e chapeu negro e um deles com faixa roxa e figura em destaque pela atenção e mimo com que era tratado pelos outros tonsurados. A gente fazia brincadeira com o encontro, pois era chocante este encontro entre um homem considerado  pouco amigo de ir os cultos, embora fosse amigo dos curas, um fulanco  de falar brincalhão e aparença  anárquica e irreverente taberneiro. O encontrarem-se de frente ele e o bispo o senhor Juán não foi consciente do protoclo de fazer uma pequena reverência o tempo que devia beixar o esplendoroso anel que o senhor bispo portava e que coa mau estendida oferecia já o senhor Juán. Naquele intre, don Manuel, o cura de Baltar, obviamente alí presente, cominou-no, o tempo que puxava levemente nele, a que lhe beixara o anel. Cousa que o senhor Juan fez  lá como pudo, deixando regozijo e quietude entre todos os presentes incluido o bispo. Depois diste embaraçoso encontro deu umas pequenas e intrascendentes  parolinhas com ele e alguma pessoa mais que se junto alí . O remate já  todos intercabiaram sorrisos e bons desejos, alinhada por uma pequena bendição do bispo que voltava a oferecer a sua mão  engalanda co grande anel de cor diamante e tal como se dizia era portador duma pequena reliquia da historia santificadora da Igrexa. A cousa no que respeita a aquel encontro tão extravagante  foi comentada nos corrilhos como brincadeira   que producia  gargalhadas e imitacions pelos mais ocorrentes,  pois sempre há quem gusta de rir e quem, como o senhor Juan, duma maneira ou doutra provocar comportamentos ou frases cómicas ou jocosas.

      O día seguinte de tarde lá estavamos todos, lavadinhos, coa roupa de domingo ainda que fosse um día de semana. A Igrexa ateigada de gente, segúm se entra pela porta principal a dereita as mulheres, a esquerda os homens e adiante, também separados por sexos, os rapazes. Silenço, nervos e novidade. Num lugar preferente os candidatos optantes a confirmação já com a preparação feita, confesados e limpos e coas instruccions últimas ainda quentinhas. Num momento saiu da sacristía o senhor bispo que se dirigiu  os fieis com frases carinhosas e paternalistas, baixou os tres degraus duma pequena escada que limitava o recinto do altar co resto da Igrexa. Já posto na altura dos fieis dirigiu-se a nós, meninos, rapazes e incluso homes maiores, que iamos a recever a confirmação. Saudou-nos em geral com ise saudo beatífico e sorridente que só sabem fazer os bispos e os papas. Andava a caminhar lentamente dum lado para o outro  diante dos bancos da primeira fila na que estavamos os candidatos ò nomeamento de novos cabaleiros da fé. O tempo que caminhava ia dando sinxelas dicas explicativas do que era o sacramento e o que Deus esperava de nós e todas esas coisas, que por outra banda nós já estavamos sabidos dabondo pelo mestre e maî-lo cura nas suas charlas.Dalí a um pouco já començou a perguntar pequenas cousas da doctrina e do catecismo, todo moi fácil. Començou pelas rapazas e ia duma pergunta tirando as conclusões para a seguinte e assim pouco a pouco. Num momento na fila dos rapazes perguntoulhe o Silvio dos Torneiros que pensava ele que era fazer o mal. 

    - ¿ Como te llamas y cuantos años tienes?

     -Chamo-me Silvio Torneiro do Baceiro e tenho quince anos. 

      -Silvio, ¿ aquél  niño dijo que Dios nos enseña a no hacer el mal? ¿Que crees tu que es hacer el mal?. 

         Naquel intre  o Silvio sentiu-se cheio de gloria e respondeu  rotundo. 

      _ Hacer el mal es  tornar-lhe a auga os vecinhos de sus lameiros para que vaya para el mío. 

       O bispo entendeu perfeitamente  o que Silvio quis dizer, e asentiu coa cabeça e repetiu a afirmação do Silvio. 

      -Muy bien explicado hacer obras que dañen a nuestro prójimo es como hacerselo a nuestro Señor pues el mandamiento nos dice que "amarás al prójimo como a ti mismo" y si haces una acción mala contra otro vecino estás pecando, sin duda. Muy bien. 

      No momento que Silvio diz o do tornadoiro da agua dos lameiros, um leve sorriso e olhadas cómplies percorreram a igrexa toda.  O Silvio era considerado, tal como se dizia na quela altura, um rapaz não de todo completo e era tratado com reserva e certa atitude burlesca ou infântil .  O Silvio um bocado extravagante e afeito a fazer tolerias e a dizer expresões raras  fazia que todos consideravam que não estava moi bem de todo dos miolos. No obstante pela sua resposta tampouco parecia que assim fosse tanto. O que passa e naquela altura nas aldeias era moi fácil ponher  tachas de tolo ou deficiente mental e manter esa sinal pública "in eternum". Incluso as vezes as pessoas con deficiéncias físicas eram também consideradas com alguma anomalia psíquica e receviam um trato diferente. O mundo rural não era um paraiso e havia mais violência em todos os aspectos da que hoje podamos imaginar. Tal  vez o Silvio fosse tão competente como qualquera mas a pouca dedicação que se lhe prestava na escola além da pouca dedicação familiar recevida,  e as suas particulariedades  de personalidade, tudo misturado faziam que o pobrinho fosse alvo duma etiqueta ou  rótulo difícil de arrincar e que era: " a iste falta-lhe algo, tem alguma tacha ainda que não sabemos qual é". E quando a gente te trata distinto tu acabas pensando que eres distinto. Tal vez o Silvio aquele día ficase contento e reconhecido no seu interior e numca olvidase que num día o senhor Bispo de Ourense fez-lhe uma pergunta e ele soupo resolvê-la coa linguagem e os conceitos que lhe eram familiares; o seu mundo o que ele olhava e tinha diante eram emtre outras,  o monte, o gando, os prados, as searas, as hortas, o toxo, os carrouchos a solidaridade das malhas e das colheitas e a maldade traicioeira de irem de noite as caladas a tornar a auga dum prado do vicinho para outro. Conhecí na minha infância alguns Silvios, normalmente de familias pobres ou com problemas,  que no mundo rural da época eram etiquetados pejorativamente  sem terem possibilidades duma  defensa pública o qual , por vezes, os levava a trastornos de personalidade e falta de auto-estimação, que em moitos casos acavava no vinho e no alcóolismo. 

        Tudo correu bem. A cerimonia foi linda, o bispo agradável e tenro e oficiou a todos o rito de confirmação. Ficou no recordo aquela visita que salvando as ditâncias teve para mim e para a masa geral da gente que a do Papa a qualquer lugar do mundo. Só estando alí e naquela época se pode explicar o que parece um exagero. 

 

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