Por Fernando Venâncio.
Entre 1997 e 2001, ainda nos alvores da Internet em Portugal, teve
lugar um debate sobre a Galiza no fórum «Lusofonia» do portal português
Terràvista.
Esse debate (cujos materiais são, actualmente, de acesso
restritíssimo) ganha hoje o maior interesse. Isto porque, nele, alguns
dos actuais problemas da língua na Galiza foram examinados, até ao
pormenor, por um grupo de não-especialistas, galegos e portugueses.
Entre esses problemas, podem citar-se a integração da Galiza nos
países lusófonos, a ortografia do galego e a sua relação com o
português, as relações políticas Galiza-Portugal, as relações de ambos
com a Espanha.
Sublinhe-se o carácter «naïf», não-alinhado, e sobretudo
não-organizativo, dessa discussão – uma discussão informada e de um
empenhamento exemplar. Uma autêntica lição para hoje.
Fonte:
https://observalinguaportuguesa.org/a-questao-galega-e-o-publico-portugues/?fbclid=IwAR3OO_ja6n34n3dUXBWNYnEAKOlbcYtJb6iGdAwOvJDXivKQqSWeAWxO7oY
A questão galega e o público português
Uma experiência na Internet (1998-2001)
in Elias Torres (org.), Actas do VIII
Congresso da Associação Internacional de Lusitanistas (Santiago, 2005),
vol. I, 2008, págs. 557-570
Fernando Venâncio Universidade de Amsterdão
Entre 1997 e 2001, ainda nos alvores da Internet em Portugal, teve
lugar um debate sobre a Galiza no fórum «Lusofonia» do portal português
Terràvista. Esse debate (cujos materiais são, actualmente, de acesso
restritíssimo) ganha hoje o maior interesse. Isto porque, nele, alguns
dos actuais problemas da língua na Galiza foram examinados, até ao
pormenor, por um grupo de não-especialistas, galegos e portugueses.
Entre esses problemas, podem citar-se a integração da Galiza nos países
lusófonos, a ortografia do galego e a sua relação com o português, as
relações políticas Galiza-Portugal, as relações de ambos com a Espanha.
Sublinhe-se o carácter «naïf», não-alinhado, e sobretudo
não organizativo, dessa discussão – uma discussão informada e de um
empenhamento exemplar. Uma autêntica lição para hoje. Houve, no decorrer
dos últimos cem anos, entre portugueses e galegos, contactos que
podemos considerar 2 como de ‘diálogo’, e até de ‘debate cultural’. Não
muitos, mas alguns memoráveis. Um deles foi o interesse pela Galiza por
parte de Teixeira de Pascoaes, e os contactos que, nas primeiras décadas
do século 20, ele manteve com intelectuais galegos, com correspondência
por vezes assídua e visitas galegas a Gatão.i Assinale-se não haver
Pascoaes, que teve saúde, vida e posses para isso, visitado nunca a
Galiza. Pensa-se que, delicadíssimo, receava enfrentar-se com as
desinteligências entre os seus amigos. Um segundo momento – de todos,
porventura, o mais enriquecedor – foi o longo contacto de Manuel
Rodrigues Lapa com a cultura galega. Desde 1932, na Seara Nova e
variados outros periódicos, e até ao fim da vida, alimentou com os seus
numerosos amigos galegos um diálogo devotado, insistente, e por vezes
difícil. A correspondência publicada, já volumosa, informa-nos dos
bastidores dessa longa conversa pública.ii Entretanto, nos anos 50 e 60,
tinham-se dado vários encontros, ou ‘assembleias’, luso-galegos,
promovidos pela Real Academia Galega e pelo município de Braga.iii No
decorrer dos anos 80, deram-se, sem a presença física de Rodrigues Lapa,
mas com ele presente na mente de todos, dois debates, duas
mesas-redondas em contexto académico, científico. Em ambos os casos, a
discussão centrava-se na questão da língua – nada de admirar, desde o
incisivo artigo de Lapa, em 1973, na Colóquio Letras. A primeira dessas
mesas-redondas tem lugar em Novembro de 1980, em Trier (Trèves,
Tréveris), no decurso do colóquio ‘Sobre a posibilidade de
establecemento dunha lingua culta galega’, organizado por Dieter Kremer e
Ramón Lorenzo. Participam na discussão Filgueira Valverde, Alonso
Montero, Celso Cunha, Paiva Boléo e o próprio Lorenzo, não propriamente
os maiores 3 admiradores de Lapa. O debate partiu de um breve texto
enviado ao colóquio pelo mestre português. Resultou numa conversa
incómoda, de fórmulas calculadas, e mesmo (foi o caso de Boléo) alguma
brusquidão.iv A segunda mesa-redonda realiza-se, em Lisboa, em Junho de
1983, durante o ‘Congresso sobre a Situação Actual da Língua Portuguesa
no Mundo’.v Nela participa, pela Galiza, Ramón Piñeiro, que se vê
contestado por Maria do Carmo Henríquez. Há um enfrentamento, não um
diálogo. Esse tinha-se dado horas antes, a pretexto duma comunicação de
Pilar Vázquez Cuesta, com intervenções de Pilar García Negro, Francisco
Salinas Portugal e da mesma Carmo Henríquez. Discutia-se entre galegos,
diante dum público sobretudo português. Ignoro até que ponto os
congressos da Agal, realizados entre 1984 e 1996, foram lugar de debate
(sublinho, ‘debate’) entre galegos e portugueses sobre a língua na
Galiza. Mais provável suponho essa discussão nalgum dos longos serões de
um congresso de Lusitanistas, algures no planeta. vi Actualmente, a
troca de pontos de vista dá-se em fóruns da internet. Devemos citar os
de Vieiros.com, onde Portugal é, com frequência, tema de conversa.
Importante, também, é a discussão no fórum ‘Assembleia da Língua’, onde,
entre galegos e portugueses, se deram já assinaláveis convergências, e
igualmente assinaláveis enfrentamentos, ásperos e instrutivos.vii Mais
do que todos, importa citar os fóruns do PGL, Portal Galego da Língua,
onde, neste exacto momento, se travam debates do maior interesse e onde
se verificam até discussões entre portugueses. Eles duplicam – oito anos
depois, e quase ponto por ponto – o debate de que vos venho falar aqui.
A Internet, uma criança
Foi uma polémica viva, animadíssima, que se estendeu por anos, e
todavia hoje esquecida. Os próprios que a mantiveram recordam-na como
algo distante – embora, quando a referem, ainda o rosto se lhes ilumine.
Decorreu num fórum internético entre 1997 e 2001 e nela participaram,
com entusiasmo, mesmo com euforia, bastantes portugueses, um ou outro
africano, alguns brasileiros e uma mão-cheia de galegos. Importará
lembrar que, em 1997, a internet pública era uma criança. E, como uma
criança, enternecedora, trabalhosa e cara. Tudo isso era compensado por
reconfortantes sensações de descoberta e de pioneirismo. Por felicidade,
surge então um ministro português da cultura que cria um instrumento
simples, dúctil e gratuito: um «portal» aberto a qualquer indivíduo de
língua portuguesa, com páginas pessoais de 2Mb (um luxo!) e variados
fóruns de discussão. [Hoje sabe-se que o próprio ministro, um filósofo,
não ia muito à bola com a internet. Alguém o terá, portanto, convencido.
Agradeça-se aos dois]. O portal abriu em Março de 1997, chamava-se
«Terràvista» e tinha um visual e uma arquitectura ainda hoje modelares.
Começam então a povoar-se os fóruns. Os de «Gentes e Lugares», da
«Noite» e da «Lusofonia» depressa vão tornar-se espaços de eleição. Com a
vantagem, para a «Lusofonia», de congregar interlocutores assíduos de
vários continentes. Só a Oceânia não contribuirá. Em compensação, a
causa de Timor-Leste unirá um dia as mentes. Toda esta entusiasmante
conversa, hoje guardada em 11Mb de texto, agarrou e revolveu temas como a
regionalização portuguesa, a política interna angolana, o precário
relacionamento de brasileiros e portugueses, o 5 Nobel de Saramago,
Olivença, a Expo 98, os touros de morte de Barrancos, as relações de
Portugal com a Espanha, o mirandês, e Timor, como já se disse. E, como
se disse já também, a questão da língua na Galiza. É neste tema que vou
centrar-me. Mas, antes de avançar, antes que se julgue que eu fui um dos
heróis, o seguinte. Devo a um puro acaso ter sido, em Janeiro deste ano
de 2005, posto na pista desse fórum. E foi um puro e feliz acaso que,
pouco depois, me depositou nas mãos esse imenso material. Quero ser
digno desta escolha do destino, que evidentemente é cego. Faço planos
para um livro que conterá o essencial dessa conversa luso-galega que,
durante quatro anos, cruzou dia e noite o Ocidente peninsular.viii E
mais uma precisão. Como o destino, além de gentil, é avaro, os nove
meses de conversa de 1997 ficaram inacessíveis, e podem considerar-se
definitivamente perdidos. Não se sabe, assim, quando entram os temas
galegos na conversa. Só sabemos que, a 1 de Janeiro de 1998, estão em
cena um galego, «Paulo» de seu nome, ou nick, um português de Viana do
Castelo, «José Cândido», e o lisboeta «Francisco». Mas o convívio dá
aspecto de já vir de longe.
‘Recozinhando’ a lusofonia
Francisco acaba de regressar da Galiza. Tem boas e más impressões. Na
Corunha falaram-lhe, diz ele, «em galego sem preconceitos», mas em Vigo
quase não o ouviu. Paulo tenta elucidá-lo, e diz que, se as pessoas lhe
falam em castelhano, pode bem ser «por cortesia». Um dia, alguém no
fórum virá com pormenores e com a explicação. Francisco não é um
qualquer. Tem bom conhecimento histórico, domina vários crioulos 6
portugueses, de que recolhe textos na sua página, possui elasticidade e
virulência verbais invejáveis, tem um àvontade ideológico visionário,
que os interlocutores assimilam à Direita, e a espantosa idade de 18
anos. Faz sua a causa de Olivença, como em breve fará a de Casamança (um
enclave lusófono no Senegal), como fará a de Timor. Em semelhante
perfil, o interesse pela Galiza cabe à larga. Francisco, que hoje faz um
mestrado de sociologia na Grã-Bretanha, atravessará toda esta história.
José Cândido, em Viana do Castelo, diz doeremlhe «os senhores de
Lisboa» e a sua insensibilidade ao esforço «integrador» galego. Increpa à
capital portuguesa a «asfixia» das vogais átonas que, com um
«centralismo barrigudo», impôs ao resto do território. E chama à Galiza e
ao Minho «dois namorados a quem os pais proibiram o noivado», o que não
será o último arroubo lírico no fórum. Paulo, o galego, dá-lhe então o
endereço electrónico de certa revista lusófona «feita na Corunha»,
Çopyright, e José Cândido logo se propõe adquiri-la na Galiza. Paulo
terá de lembrar-lhe que a revista tem só formato ‘web’. Não sabemos (eu
não sei) quem foram este Paulo e este José Cândido. Ambos, aliás, se
somem, sem rasto, logo nesses inícios de 98. Antes de silenciar-se,
Paulo lança, em repto, o tema das relações de Portugal com o Estado
vizinho. Opina ele que a «aversão» à Espanha «provém de um complexo de
inferioridade e algum temor», para ele incompreensíveis. Francisco
sente-se atingido e afirma «nada» haver em Espanha «que Portugal possa
invejar». De resto, lembra, vem aí a Expo 98 e, adverte, «alguns
espanhóis terão alguns dissabores». A Galiza entra claramente nos planos
de futuro de Francisco para o país. Para esse «português do mar
oceano», convictamente anti-europeísta, a Galiza «vai ajudar a encontrar
a simplicidade do Portugal medievo 7 juntamente com um Portugal
agrário», assim colaborando no «recozinhar da sopa» da lusofonia. Sim,
«talvez seja pela boca ou mão de um galego» que Portugal acorde «para um
novo mar». A causa galega tinha aqui o seu profeta, e tanto bastou para
se supor Francisco em más companhias. Ele levará meses a afastar
suspeitas de conexões à extrema-direita portuguesa, fascista e
salazarista, que já então operava na rede e manifestava alguma gulodice
pela Galiza. Francisco é, na realidade, todo o contrário do racismo. Ama
a sua «Lisboa crioula», resplandecente de africanos e asiáticos, e
acha, mesmo, que tudo o que Portugal tem de bom o trouxe de fora. Ali
está a Galiza, bem próxima, de onde pode trazer muito. O belicoso tom
anti-espanhol de Francisco não recebe nenhum eco nos compatriotas. Os
espanhóis «são um povo cordial, educado e com quem se pode trabalhar»,
diz «Xpto». São «um povo maravilhoso, um povo agradável», diz «Xixa». «A
verdade é que nos damos naturalmente bem», diz «Ji». «Acho um óptimo
país com quem temos excelentes relações», diz «Re21». «Se os espanhóis
se estão a aproveitar, é porque culturalmente são um povo cheio de
garra, e é isso que nós estamos a aprender a ter…», diz «Guida». Quando,
em Maio, a Expo 98 abrir as portas, Francisco, voz no deserto, há-de
apontar ainda o desprezo e ignorância espanhóis pela «especificidade»
portuguesa. Perante a espectacularidade da missão espanhola, lançará o
slogan: «Vá à Expo, fique em Espanha!»
«200 milhons de almas»
É por então – Julho de 98 – que entra em cena um novo galego, que
assina «Outeiro» e propõe ao fórum «um aberto debate sobre os problemas
da Galiza, berço da 8 lusofonia». Apresenta a Agal, de que dá endereços
postais, e lança um aviso sobre a «dupla moral» do presidente
autonómico, Manuel Fraga, que, em casa, persegue o «reintegracionismo»
e, lá fora, se felicita da «nossa língua comum». A entrada de Outeiro
não passa despercebida. Há sonoras boas-vindas, e Francisco dá mesmo
vivas à «galegofonia de 200 milhons de almas». Exacto, «milhons». Volta e
meia, o ainda quase adolescente lisboeta redigirá ‘posts’ inteiros em
reintegrado, ou o que ele supõe sê-lo, com várias e recreativas
contaminações de autonómico. Uma interveniente de um «país lusófono»
pede a Outeiro esclarecimentos sobre a perseguição ao galego. Sempre em
‘agal’, ele informa: «Na Galiza, o Estado espanhol está a pôr em prática
um processo de substituiçom lingüística. Este consiste em fazer com que
os monolíngües em galego-português virem bilíngües em galego e
espanhol, como passo prévio para tornar-se depois em monolíngües em
espanhol». E lembra o dano feito ao galego por portugueses
exprimindo-se, na Galiza, em castelhano. Sucesso certo, teve-o ele com
um juvenil brasileiro, Ronald («tenho 17 anos»), de Minas Gerais, que
promete não voltar a dizer «Galícia». Outeiro deixará ainda recomendação
da leitura, para «informaçom alheia ao conflito», da Gramática de Celso
Cunha e Lindley Cintra e de obras de Lapa. É essa a última intervenção
desse galego, que passou fazendo o bem. Iria deixar saudades. A causa do
galego ficará agora entregue a Francisco, que lembra a certo
«Marquinhos», da Galiza, a necessidade de que o falem «bem», para que o
idioma se mantenha. E esse mesmo lisboeta de 18 anos expõe a certa «Ana
Mórfica» qual é «a grande aposta do imperialismo cultural castelhano»:
«Obrigar o galego a distanciar-se do 9 português, obrigá-lo a utilizar
uma caligrafia [sic] diferente, fazendo com que não possa ser aceite na
lusofonia e destruindo-o progressivamente, abafando-o na pobreza».
Grandes animadores
É nesse Verão de ’98 que aparecem no fórum dois indivíduos – o
português «Omar Salgado» e o galego «Perico» – que irão tornar-se o que
até aí Francisco tivera de ser sozinho: os grandes animadores do debate.
«Omar» surge perguntando o que é feito do «nosso amigo Outeiro,
paladino da lusofonia em terras da Galiza» e sugere visita a uma página
galega, a do MDL, Movimento de Defesa da Língua. Mas bem depressa Omar
Salgado não tem mãos a medir. Certo «Intruso» insinua andarem ele e
Francisco a pactuar com neo-nazis incitadores à anexação «de parcelas de
território pertencentes a países independentes» (leia-se, à Espanha).
Francisco e Omar, ambos se batem com denodo, ambos desafiam o atacante,
expõem os ideais do MDL e igualmente do MSL, Movimento de Solidariedade
Lusófona, de que Francisco se diz aderente e que, segundo ele, tem
ligações à Agal. Ora, não só não convencem, como o atacante vai receber
apoio. «Invadir a Galiza?», escreve o participante «Re21» a Omar. «Ó
caro senhor, quer aqui o Kosovo ou a Jugoslávia?». E aconselha-o a
visitar a própria Galiza, onde verá que os nacionalistas são «uma
minoria das minorias» e que não há «quem queira ser português». Omar
Salgado, quadro numa federação desportiva em Lisboa, preparando um
mestrado em Estudos do Património, acabava exactamente de regressar da
Galiza. Do que ali ouviu e viu, ficara-lhe claro o intento de «repor
novo fôlego à língua tradicional e legítima, tendência essa 10 que é
combatida pelo poder central». E quanto a sugestões balcânicas:
trata-se, não de transferências de soberania, mas do «reconhecimento à
legitimidade para o povo galego, que nos é afim, de poder expressar-se
na sua língua própria, que é a nossa». Seria preciso muito mais para
convencer Re21. «Galego é galego», escreve ele, «e português é
português». Há-de repeti-lo, no decurso dos meses, em várias e criativas
modalidades – mas com decrescente convicção. A lenta, e por fim
espectacular, viragem mental deste português da Marinha Grande,
especialista em comunicação internética, é possivelmente o que de mais
belo há nesta história. Do outro aparecido, o galego «Perico», tem-se a
clara impressão de que, havendo acompanhado a conversa, teve de
intervir. É que Re21 persistia em confundir reivindicação linguística
galega com fantasmas de anexação e devaneios de extrema-direita,
chegando a associar simpatias lusistas com reaccionarismo autonómico.
Com visível gosto, «Perico» ensina a Re21 o a-b-c das questões. Fala-lhe
sobre a real difusão do galego, sobre a problemática das normativas,
sobre a busca da integração do galego na sua área «natural», sobre o
sistema autonómico espanhol, o estatuto das línguas cooficiais e o
nacionalismo galego. Dá exemplos eloquentes, como o de ter a
universidade de Vigo recusado documentos ‘redigidos num idioma
desconhecido’. Ou o subsídio que a Junta deu à Mesa pola Normalización
da Lingua: cinco mil pesetas, 30 €. De passagem, informa-o de que, na
Galiza, ninguém no seu completo juízo pensa em anexar-se a Portugal. Mas
mesmo o sentido da pedagogia deste técnico de informática viguês (a
quem até os amigos conhecem por «perico», teimosamente minúsculo), pode
ser 11 insuficiente quando se acredita que «estes galegos de direita»
buscam «a integração em Portugal». [Estas reacções portuguesas à questão
galega devem ser olhadas com atenção. Voltarei a este assunto. De
momento, baste anotar que, para um português desprevenido,
«reintegração» soa a «integração», e que «integração» é facilmente
associável a «anexação». De igual modo, «nacionalismo» é, para o
português médio, sinónimo de «independentismo», e até de «violência».
Atenção, portanto. O que é óbvio para um galego pode não sê-lo, de modo
algum, para um português]. Além de bem informado, Perico é curioso e um
bom observador. Espanta-o a obsessão (o «desmedido amor») dos
portugueses pelos centros comerciais, ou o «orgulho» que dizem ter em
serem portugueses. Não tarda, e esse orgulho irá tornar-se aflitivo,
quando, em Outubro, Saramago ganhar o Nobel («O Nobel que todos
recebemos», «Desculpem, mas somos mesmo bons»). Não tarda, também, e
há-de descobrir-se que a Espanha se está apropriando do «nosso» Nobel.
Com o aval do premiado, para mais. Mas também Perico tem de acudir a
alguns fogos. Re21 tem os galegos que desejam integrar a Lusofonia na
conta de «indivíduos com graves problemas psicológicos», pior se
pretenderem também adesão à Comunidade de Países de Língua Portuguesa.
«Desiluda-se, caro Omar», escreve ele, «tudo não passa de um factor
político com um determinado objectivo muito concreto, se pertencessem à
CPLP. Era um meio caminho para mais um conflito político e quiçá mais um
conflito armado tipo Kosovo. Era obrigar os governos da CPLP a
defenderem diplomaticamente os seus [galegos] ideais 12
independentistas. Era, no máximo do impensável, obrigar a uma suposta
intervenção militar». Isto obriga Perico a chamá-lo à ordem: «Você, si
eu não entendi mal, defínese como de esquerdas e, no tocante ao tema
galego, coincide exactamente coas posturas que aqui defendem as
direitas». Omar e Francisco apoiam-no. Mas, nitidamente, nenhum vê em
Re21 um caso perdido. Ademais, ele diz conhecer e amar a Galiza, e os
galegos, e sobretudo as galegas. Agora essa «afinidade» de Portugal com a
Galiza, isso é coisa «absurda». No fórum, a questão da adesão da Galiza
à CPLP será debatida longa e recorrentemente. Suspeita-se que Fraga bem
a desejaria, caso o pudesse fazer, como escreve Francisco, «de cabeça
erguida e com uma boa oferta». Isto é, não pedindo, mas a convite.
Bastava, aventa-se, que a CPLP criasse, em vista da Galiza, um estatuto
de ‘nações em Estado’. Assim, nem Fraga nem Portugal desafiariam o
Estado espanhol, e estaríamos todos no melhor dos mundos. Surge, mesmo,
uma sugestão: pedir-se a opinião de técnicos independentes, e eles que
decidam pela identificação, ou não, do galego com o português. Se o
resultado for ‘sim’, também Madrid cantará pianinho.ix
«A tua bandeira cosida à minha»
Entra 1999, e Francisco vai de novo à Galiza. A 8 de Janeiro, ainda
en Braga, escreve, folião: «Leixada deixo ao meu amigo Omar uma forte
aperta!!!». Em Vigo é recebido afectuosamente por Perico. Dias depois,
já regressado a Lisboa, escreve: «Só falei em português e toda a gente
me entendeu». Todavia, para seu espanto, nas lojas falavam-lhe sempre em
castelhano. Perico explica como as coisas se passam. Um primeiro caso. A
pessoa entra num bar e dirige-se ao 13 empregado em galego. O empregado
responde-lhe em espanhol. Minutos depois, ouve o empregado falar galego
com um colega. Outro caso, ou o mesmo. O empregado pergunta-lhe se é
professor. Explicação? É que são os professores quem mais fala galego
«‘sem ter porquê’». Mais outro automatismo. Os adultos falam galego
entre si, mas a uma criança dirigem-se em espanhol. Outro ainda. Na
aldeia falas galego. Mas, transpostos os limites da cidade, mudas também
de língua. «Isto, meu caro amigo», escreve Perico, «chama-se auto-ódio e
é produto da colonização». Mas, é verdade, «cada vez menos pessoas
reagem mal ao serem abordadas em português». Pena, só, que jogadores
brasileiros e portugueses, entrevistados em galego, respondam em
castelhano. «Um gesto de desprezo pelo país que lhes dá trabalho». E
quanto à sua experiência em Portugal, pois bem: falando ele galego, nas
ruas, nas lojas, respondem-lhe em espanhol. Ou em inglês. Na melhor
hipótese, ele passa por um espanhol que se esforça por falar português.
Entretanto, escutando, reflectindo, Re21 vai, pé ante pé,
aproximando-se. Começa por elogiar a página do Terràvista que Francisco
fez sobre a Galiza. Depois, formula este voto: numa Galiza autónoma, «El
Rey deveria hablar galego». Perico responde: «Que o rei fale galego
acho bem, mas preferia que não se denominasse rei dos galegos». Sim,
dirá dias mais tarde, o problema do galego é de ordem ‘nacional’. «É
como se o presidente português antigamente fosse a Angola e dissesse
umas palavras em umbundo, ‘porque todos somos portugueses’». É duma
exactidão que arrepia. Ao começo da noite de 25 de Abril, Omar Salgado
tem uma notícia. Avenida da Liberdade abaixo, desfilou um grupo de
galegos com faixas e escritos, que não pôde ler. «Mas vi», escreve para
Vigo, «a tua bandeira cosida à 14 minha e agitadas ao vento,
prolongando-se uma na outra». Perico sabe que não é a primeira vez,
mesmo em Portugal, e informa: «No Primeiro de Maio de 74, nos Aliados,
no Porto, havia muitas bandeiras galegas apesar da situação aquém Minho.
Todos os 25 de Julho, dia da pátria Galega, e desde muitos anos antes
da morte de Franco, há muitas bandeiras portuguesas em Compostela». A
aproximação de Re21 vai dar um passo decisivo, e isso a pretexto de
Méndez Ferrín. Anunciara o escritor na TV portuguesa a publicação entre
nós dum livro em galego, «para dar a conhecer aos portugueses a língua
dum país ocupado pelos imperialistas castelhanos». Re21 comenta que, a
esse, não se lhe chamará «integracionista [sic] da Galiza em Portugal».
Perico informa-o então ser Ferrín, nesse momento, o escritor galego vivo
mais conhecido a sul do Minho. E acrescenta que ‘integracionistas da
Galiza em Portugal’, não os conhece. Mas Re21 rejubila. Há finalmente um
galego que ele compreende: Méndez Ferrín. Um que define com nitidez o
‘seu’ país, a ‘sua’ língua. Perico bem insiste em que, no essencial, ele
próprio coincide com Ferrín. Com efeito, ambos visam «o reencontro do
mundo galego com o português». Mais: ambos lamentam estar Portugal, «com
a sua atitude e a sua cobardia ao respeito de Espanha, a empurrar a
Galiza justamente na direcção que Espanha quer». Dias depois, instado
por certa «Paula» a pronunciar-se sobre se «os galegos gostariam de
pertencer a Portugal», Perico escreve com uma eloquência muito sua: «O
achegamento a Portugal é óbvio, pois é o entorno natural do idioma e da
cultura galegos. Mas isso não quer dizer que a Galiza queira ‘pertencer’
a Portugal, entre outras coisas porque de ‘pertencer’ estamos fartos».
15
Reintegracionista «com dúvidas»
Em Setembro de 1999, no auge da questão de TimorLeste, Francisco
decide ir alertar a Galiza para a repressão indonésia na ilha. Organiza,
para isso, uma concentração em Santiago e dirige uma petição ao governo
central e aos parlamentos central e autonómicos. Facto é que, no dia
seguinte, o parlamento da Galiza apoia uma intervenção internacional.
Isso alegra mas não desmobiliza Francisco, que de novo acende velas por
Timor no centro do Obradoiro. Quem tudo isto conta é Perico. Ele vinha,
aliás, mantendo os amigos portugueses ao corrente do que pudesse
interessar-lhes. Assim, informa-os de que o eurodeputado Camilo Nogueira
se exprime em galego como língua de trabalho em Estrasburgo, língua que
soa português para os intérpretes. Informa-os de que Carlos Casares, o
presidente do Conselho da Cultura Galega, acabava de reabrir a questão
da ortografia, qualificando de ‘extravagante’ a autonómica. Mas Perico
também se queixa de ser o único galego na lista, não lhe agradando ser
visto como porta-voz da Galiza. Isso inspira outro galego a intervir. E é
assim que entra na conversa «Camilo Magdalena», também de Vigo, um
«reintegracionista com dúvidas». A sua primeira preocupação é averiguar
até que ponto em Portugal se sabe que a Galiza fala uma «variante» do
português. Omar inclina-se para uma generalizada ignorância. «Ji», uma
lisboeta que acaba de visitar a Galiza, opina que ali ouviu um idioma
diferente do seu. Camilo, licenciado em ciências empresariais, que
começou por escrever em português padrão, passa a grafar em ‘normativo’,
para trazer melhor informados, diz ele, «os que non saibades de qué vai
o conto». Os portugueses 16 não parecem incomodados, e Re21 até
rejubila. Em vésperas natalícias, vemo-lo exprimir-se num boleio algo
mágico: «Força, Perico e Camilo! Um dia a Galiza será um País
Independente e Livre. Continuem a lutar pela vossa própria identidade
enquanto cultura e de soberania de vontade mais que virtual. É uma
vontade real de um povo, o galego. Um Feliz Natal para vocês dois e para
todos os galegos». Quem se preocupa é Francisco, que aconselha Camilo a
«experimentar» a norma Agal (e fornece um endereço, hoje de feição
pré-histórica). Para convencer o galego da viabilidade da norma Agal,
ele próprio, Francisco, tenta utilizá-la. Fá-lo, como já se disse, com
grande latidão de critérios. É o mesmo Francisco que, já entrado o ano
2000, debita a seguinte convicção sobre a Junta da Galiza: «Se bem
observarmos o [seu] discurso, a ligação mitológica a Portugal não é
propriamente abafada, antes exaltada, porque essa é uma óptima arma
justificante de existência perante o imperialismo cultural castelhão
sobre a aberração portuga, fazendo crer que a Galiza tem a eterna missão
de encorajar o seu irmão gémeo a voltar à verdadeira família de Deus
Espanha». A frase contém pelo menos um anacoluto, além de vários
plebeísmos, e inspirase sãmente na conspiração universal. Mas já é
perturbador alguém havê-la produzido. O viguês Camilo volta então a
abandonar a «diabólica» norma para aconselhar a leitura de artigos, como
um de Valentim Rodrigues Fajim e um de António Tabucchi. Diferentemente
de Perico, Camilo não está bem convencido da identidade das línguas,
mas vai-se aproximando disso. Advogará primeiro a ortografia portuguesa,
afirmará ser o português «o galego culto» (puro Rodrigues Lapa…) e
contará ter ouvido em aldeias do Douro ‘um galego muito bom’. Já sobre a
intimidade 17 das culturas não lhe restam dúvidas. «Sem nós», afirma
Camilo, «não se explica a lusofonia». Com intenção semelhante, havia
Perico dito meses antes: «O português somos nós». Re21, cada vez mais
entusiasmado, dirige agora uma declaração «Aos Galegos»: «Eu, Luso, sou
pela plena constituição de um Estado Democrático Galego. Primeiro,
encontrem as vossas raízes, transmitam-nas aos vossos filhos, netos e
por aí fora, e daqui a uns anos, quando nós estejamos já feitos em pó, o
vosso país há-de nascer. Ou, quem sabe, talvez se assista ao nascimento
do País Galiza ainda durante a nossa vida. O Império Soviético também
caiu em dias, talvez o Reino de Castela lhe aconteça o mesmo».
«O puto lá do cimo da rua»
A partir de agora, Re21 vai insistir na confluência de pontos de
vista com Perico. «As minhas ideias são no fundo as mesmas do que tu no
que respeita à Galiza. Finalmente!». Na realidade, o empresário da
Marinha Grande, ao apoiar uma independência galega, coincide, não com
Perico, mas com Ferrín. Concedido: as questões são complexas, e mesmo
paradoxais. É o que Omar Salgado vai exprimir neste ‘tour d’horizon’ dos
apoios à causa galega no país a sul. «Espantosamente, em Portugal os
detentores dos meios de produção, segundo a ideologia própria da sua
classe, acham neo-imperialisticamente que o galego é lusófono, enquanto
que a massa trabalhadora, em defesa das mais amplas liberdades
democráticas, acha o contrário. Já na Galiza o proletariado, num rasgo
libertário contra o jugo castelhano, acha que o galego é lusófono, e os
donos do 18 capital explorador acham hegemonicamente o inverso, em
defesa da ‘hispanidad’». Também Francisco tenta perceber o enredado da
posição portuguesa. Constata uma «‘natural’, instintiva antipatia quando
falamos da Galiza» e atribui-a a um «‘natural’ repúdio por tudo o que
nos identifique com Espanha», mesmo que só parte dela. E explica:
«Identificar Portugal com a Galiza é provar que Portugal é algo que tem a
ver com Espanha». É isso que, segundo Francisco, nos assusta. Nada
disto pode tranquilizar muito os galegos. E é essa sensação de ‘beco sem
saída’ nos apoios portugueses que vai inspirar a Camilo esta página
dramática:
Com a chegada da democracia [em Espanha],
conseguiu-se que se reconhecera o galego como língua e não um simples
dialecto do castelhano. O que ainda não logramos é que se reconheça que o
galego e o português são a mesma língua. Para o nacionalismo espanhol é
muito difícil reconhecer que uma parte de Espanha fala uma língua
estrangeira. Seria o mesmo que questionar a unidade da pátria. Para o
nacionalismo galego seria invalidar um dos seus principais argumentos: a
existência de uma língua nacional própria. Isso quanto aos galegos. E
que pensam os portugueses? Responder a essa pergunta é uma das razões
pelas que estou aqui a participar neste foro. E estou a ver que teis os
mesmos prejuízos que nós. Se percebi bem – repito, se percebi bem –
muita gente sente antipatia pela Galiza porque identificá-la com
Portugal é provar que Portugal é algo que tem a ver com Espanha. Se isto
é assim, estamos fodidos. 19
Quando o coração está num aperto, a
língua torna-se eloquente… E será um Camilo já resignado, e regressado à
norma autonómica, que afirmará dias depois:
O que está claro é que a sociedade galega
non está preparada neste momento para asumir a idea de que o que
falamos sexa simplemente portugués. Non só os españolistas, senón case
todo o mundo. Quizá sexa contraproducente plantexar o asunto de frente e
subitamente e sexa mellor irmos máis a modo. Por outra parte, tampouco
os portugueses sodes conscientes de que hai uns españois alén do Miño
que falen portugués.
Um episódio menor vai, ainda assim,
reanimar Camilo. Certo «Álvaro» introduzira um tema anódino, mas que
Omar Salgado tomaria a peito: o da coexistência, nos portugueses, de
sangue «germânico» e sangue «semita». Segundo o interveniente, reina em
Portugal algum desprezo pela componente germânica. Depressa se passa à
desconversa, mas Omar, divertido, vai estendendo o tema. Aparece então
este ‘post’ anónimo e tipo telegrama: «vai pró caralho ó alvaro hitler
porco filho da puta nazi». Logo no dia seguinte, aparece um comentário
de Camilo: «Duas línguas que dizem da mesma maneira algo como ‘vai pró
caralho filho da puta’ têm necessariamente de ser a mesma». A 31 de Maio
de 2001, serão encerrados estes fóruns do Terràvista. Sabia-se, estava
anunciado. Mas não podia acreditar-se. A última palavra caberá aqui a
Re21. Ele foi, de todos, o mais puro, o que nunca teve nada a perder, e
que sempre pôde ser instintivo, primário na sua rudeza e no seu lirismo.
É um inaudito apelo e um comovedor convite. 20
Estamos numa rua, somos uns putos a
brincar, há um que quer brincar connosco, mas nós não deixamos apesar de
viver na mesma rua. É tempo de nós, portugueses, deixarmos brincar com a
gente o puto lá do cimo da rua. É porque afinal assim toda a rua brinca
de uma ponta à outra! E fica uma rua muito mais forte e bonita!
Caros senhores e amigos:
Esta longa e viva conversa entre galegos e
portugueses – não universitários, não especialistas, não alinhados –
foi conduzida pelo interesse recíproco, pelo empenho no mútuo
entendimento. Talvez mais importante ainda: nesse pequeno laboratório
duma discussão internética, a questão galega foi, por primeira vez,
colocada a um público português. Verificou-se então uma nítida clivagem
nas reacções. E se algum erro os galegos pudessem cometer, era
subestimarem a complexidade, e os fundos enraizamentos, das atitudes
portuguesas. Neste momento, a ‘questão galega’ goza, entre nós, de um
interesse residual. Na campanha para as últimas eleições autonómicas
galegas, o primeiro-ministro português, José Sócrates, e o futuro
presidente da Junta, Emílio Pérez Touriño, produziram um texto conjunto,
onde se comprometem a estimular a cooperação transfronteiriça,
inter-regional. É, na sua singeleza, o primeiro documento duma ‘política
galega’ em toda a História portuguesa. Mas, com isso, ainda está longe
de colocar-se em Portugal a ‘questão galega’. Quando um dia tal
acontecer, é seguro que encontrará uma imensa reserva 21 de
generosidade, mas igualmente um considerável potencial de resistência, e
até de rejeição. Isso não precisa de ser fatal. O caso de «Re21» mostra
como a rejeição pode ser transformada em generosidade. Mas mostra,
também, quanto a generosidade pode, ela própria, coabitar com
malentendidos, ao ponto de alimentar-se deles. Serão, sempre,
indispensáveis a pedagogia dum «Perico», a informação dum «Francisco», a
sinceridade dum «Camilo», a firmeza dum «Omar Salgado». Tenha-se
particularmente em conta isto, que é curioso. Uma simples aproximação
cultural galega pode, em Portugal, gerar desconfianças. Em
contrapartida, uma solução radical, como é a independência da Galiza,
consegue levantar autênticos entusiasmos. Compreendese. Se em alguma
coisa Portugal se revê, é num país independente, com cultura e língua
próprias. Um país arrumadinho, como ele mesmo. O que baralha um
português é essa espectacular descoincidência de ‘Estado’, ‘Nação’ e
‘Língua’. Ele descobre, a Norte, um país que é, e não é, ‘Espanha’. Que
se reclama de fundas raízes numa História comum com ele, mas
provavelmente mal contada. E que fala uma língua que não só difere da do
Estado, como poderá ser idêntica à dele, português. É muita areia para a
sua camioneta. Mas não se desista. Com pedagogia, com informação, com
muita paciência, até os portugueses serão convencidos. 22
Notas !
Veja-se a este respeito: Xosé Ramón
Freixeiro Mato, «Unha visión das relacións culturais galego-portuguesas
nos anos vinte a través da correspondencia entre Teixeira de Pascoaes e
Noriega Varela», Boletín Galego de Literatura, nº 11, 1994, pp. 71-98;
«Noriega Varela, poeta lusófilo», Estudos dedicados a Ricardo Carvalho
Calero, vol. 2, Parlamento de Galicia / Universidade de Santiago de
Compostela, 2000, pp. 275-299; Eloísa Álvarez e Isaac Alonso Estraviz,
Os intelectuais galegos e Teixeira de Pascoaes. Epistolario,
Sada-Corunha, Ediciós do Castro, 1999; Isaac Alonso Estraviz, «Relações
de Teixeira de Pascoaes com escritores e intelectuais», Portal Galego da
Língua, VII-2003. !! Maria Alegria Marques e.a. (org.), Correspondência
de Rodrigues Lapa. Selecção (1929-1985), Coimbra, Minerva, 1997; Manuel
Rodrigues Lapa, Cartas a Francisco Fernández del Riego sobre a cultura
galega, Vigo, Galaxia, 2001. iii Cf. José David Santos Araújo, Portugal e
Galiza: encantos e encontros, Santiago, Laiovento, 2004, pp. 160-163.
!” «Mesa redonda: ‘Sobre a posibilidade de establecemento dunha lingua
culta galega’», Dieter Kremer e Ramón Lorenzo (eds.), Actas do Coloquio
de Tréveris ‘Tradición, actualidade e futuro do galego’, 1980, Xunta de
Galicia, Santiago, 1982, pp. 236-248. v Actas do Congresso sobre a
situação actual da Língua Portuguesa no Mundo (1983), Lisboa, Icalp,
vol. I, 1985, pp. 129-135 e 439-448. vi Para os propósitos desta charla,
interessam contactos, em tempo real, sobre a cultura e a língua na
Galiza, e de que tenha ficado documentação. Como já se viu, tenho nessa
conta a correspondência. Mas excluo tipos de encontro noutro suporte,
ainda que do maior interesse, como os números especiais de revistas que,
de um lado e outro do Minho, se foram fazendo. Uma lista com treze
títulos figura abaixo num Apêndice. Agradecem-se achegas. 23 vii Só uma
sugestão de passagem: poderia ter interesse rastrear as ligações que se
vão estabelecendo entre bloguistas galegos e portugueses. Entre o norte e
o sul do Minho observa-se, nesse terreno, uma conexão crescente. viii
Terá o título de Uma conversa a Ocidente. Portugueses e galegos na
internet (1998-2001). ix O idioma não é, nem de longe, o único tema de
conversa entre galegos e portugueses. Nem poderá ser, quando Re21 afirma
só portugueses e cabo-verdianos saberem o que é a ‘saudade’. Perico tem
de informá-lo de que, antes de ser portuguesa, já era galega. Outro
assunto que animou as conversas: a decisão da TAP de diminuir o serviço
internacional no Porto. Era uma medida que, acentuando a macrocefalia de
Lisboa, privava a própria Galiza de nítidas comodidades. Para mais, com
uma ligação por via-férrea calamitosa. «Ir de comboio de Vigo ao
Porto», escreve o técnico informático, «é a coisa mais parecida a uma
viagem Moscovo-Shangai». E como se chama a ponte que une Arbo a Melgaço?
«Ponte Manuel Fraga Iribarne». Enfim, um mal menor. 24
Apêndice Números especiais / Dossiers
Seara Nova, número dedicado à Galiza,
coordenação de Rodrigues Lapa, nº 425, 7-II-1935 Seara Nova, ‘Homenagem a
Castelao’, coordenação de Rodrigues Lapa, nº 1204-1207, 3 a 24-II-1951
Quatro-Ventos. Revista Luísada de Literatura e Arte, 1954-1957,
1959-1960, 1999-… Céltica. Cadernos de Estudos Galaico-Portugueses,
Porto, [1961] Vértice, número dedicado à Galiza, nº 367/368, 1974 Nós.
Revista galaico-portuguesa de culturas das Irmandades da Fala de Galiza e
Portugal, Braga-Pontevedra, 1986-… Colóquio Letras, ‘Nós. A literatura
galega’, coordenação de Pilar Vázquez Cuesta, nº 137/138, 1995; nº 139,
1996 [recenseado em: Yara Frateschi Vieira, «A literatura galega e nós»,
Jornal de Letras, 28-VIII-1996] 25 A Nosa Terra, suplemento ‘Rodrigues
Lapa (1897-1997)’, nº 806, 27- XI-1997 Anto, ‘Galiza’, Amarante, nº 2,
1997 Nova Renascença, ‘Homenagem à Galiza’, coordenação de Luís G. Soto,
XXX, nº 72-73, 1999 Tempos Novos, ‘Portugal, tan lonxe e tan perto’, nº
51, 2001 Mealibra, Antologia de poetas galegos, coordenação de Carlos
Quiroga, nº 13, 2003/2004 Periférica, ‘Portugalego?’, nº 13, 2005