viernes, 1 de mayo de 2020

Falando da lingua. O bionormativismo, Carvalho Calero e mais cousas con Vitor Freixanes.


Víctor Freixanes: “Carvalho Calero é a crónica do galeguismo do século XX”entrevista no PGL

Carvalho Calero acabou de ser escolhido como figura homenageada para as Letras Galegas de 2020. Esta era uma reivindacação contínua de diversos movimentos sociais que, anos depois, é satisfeita. Como avalias esta resolução por parte da Academia?
Há tempo que a Academia é ciente de que a figura de Carvalho Calero não podia ser adiada nem marginalizada. Não deixa de ser uma injustiça histórica que não se reconheça o compromisso, o trabalho e a vida que este homem dedicou à cultura, à literatura, à língua galega… Mesmo com obras como a História da Literatura ou como a sua própria significação como primeiro catedrático de Língua e Literatura Galega na USC em 1972. Foi professor de muitos de nós, a mim leccionou-me Língua e Literatura Galegas… É certo que havia uma história detrás de desencontros, digamos assim, entre uns setores da Academia e o próprio Carvalho Calero e as suas posições arredor da língua na última etapa da sua vida. Eu acho que a nova sensibilidade da Academia está em que isso é um capítulo que forma parte da história e da pluralidade democrática dum país. E, portanto, o currículo e a memória histórica de Carvalho Calero não a vamos discutir. Havia que encará-lo com clareza, com transparência, com naturalidade e, também, aproveitando, não o oculto, que esse ano se cumprem 110 anos do seu nascimento e 30 desde a sua morte. São esses números redondos que dão pé a dedicar-lhe o ano a Carvalho Calero, que ademais também coincide com a reclamação que fizemos já ao Concelho de Ferrol para que restaurem a sua casa, de quem já vimos boa disposição. É uma oportunidade, era algo que até eu tinha que assumir.
“A Academia é ciente, desde há tempo, de que a figura de Carvalho Calero não podia ser adiada nem marginalizada”
Foste aluno dele? Como era ele como professor?
Era um professor… distante. Assim o via eu. Distante… mas muito respeitoso. Tanto que era distante. Entendes? Não sei se também era tímido, porque essas cousas… nunca sabes. Nós éramos rapazes e ele era um senhor com toda a respeitabilidade detrás. Para mim, foi a primeira pessoa que me sistematiza o galego em chave língua culta, língua a estudar… Porque uma cousa é esse galego ventureiro, esse galego que todos temos de orelha de crianças… E mais no meu caso, que sou urbanita. Eu sou uma criança duma vila como Ponte Vedra, não sou um neno de aldeia como Neira Vilas e o seu Balbino. E muitos outros companheiros da minha turma como.. Dobarro, que vinha do Ferrol. Carvalho aí era uma pessoa que nos dava informação muito sistematizada. Tanto é assim que eu dediquei-lhe muito tempo a essa matéria porque ia descobrindo da sua mão as diferentes fases da nossa história e da nossa literatura. No fundo, acho que a literatura não deixa de ser outro jeito de contar a história dum país. Também nós dedicávamos muito esforço, porque era uma época em que estávamos muito sensibilizados pelo tema da identidade e da cultura da língua galega.
“Da mão de Carvalho descobri as diferentes fases da nossa história e da nossa literatura”
Não sei quando foram publicados os primeiros textos do Instituto da Língua Galega mas eu fui aluno de Carvalho no ano 1970 ou 1971, e trabalhávamos com a sua Gramática Elemental do Galego Común. Licenciei-me por volta de 1972 ou 1973 e lembro que na altura ele estava tirando a Cátedra em Madrid, e nós celebramos muito a cátedra porque era a primeira vez que havia esse reconhecimento oficial da língua galega: uma cátedra formal na universidade.
Então… Era um homem distante com os alunos e muito respeitoso com os alunos… E muito metódico também! Ele levava a matéria com uma precisão e um programa absolutamente previsível e documentado. Às vezes excessivo, porque eu lembro que nos examinávamos até das distintas edições de gramáticas ou dicionários galegos que havia ao longo da história. Também era o material que havia… Depois foi autor de várias cousas que eu editei e reeditei em Galáxia. Essa Prosa Galega 1Prosa Galega 2Prosa Galega 3… Que também era um jeito de recuperar, porque havia uma espécie de deformação da visão da literatura galega como muito poética. Rosalía de Castro, Curros Enríquez, Pondal… Ele ia por um caminho de recuperação dos primeiros textos, Fernández de Neira e cousas desse estilo. E a nós interessava-nos muito porque não sabíamos nada [ri]. Na altura a desinformação era total e ele era o único professor que nos orientava. Porque depois havia rapazes novos que se incorporavam nesse momento como Antón Santamarina, por exemplo, mas Santamarina era um rapaz que começava a leccionar aulas e nós fôramos os seus primeiros alunos. Ele leccionava Linguística Geral ou Gramática Histórica. Ramom Lourenço dava Crítica Literária, por exemplo.
“Havia uma deformação da visão da literatura galega como muito poética… E Carvalho procurava uma recuperação dos primeiros textos em prosa”
De facto, o outro dia fui ao Parlamento da Galiza para ver o material dele que há ali, de cara a fazermos alguma publicação de certa relevância e distinta. No Parlamento está toda a biblioteca particular de Carvalho: uma crónica muito bonita, porque a nossa biblioteca também é uma radiografia da nossa história. Em diferentes épocas da nossa vida, vemos que cousas nos interessavam e como íamos comprando livros… Eu às vezes paro diante da minha biblioteca, que é uma imensidade e uma espécie de armazém impresentável, mas posso ver fases: a etapa do marxismo-leninismo, a etapa do sindicalismo, a etapa do feminismo… São todas diferentes etapas que formam parte da nossa identidade. E com Carvalho igual, mas ele tem tudo muito organizado, muito limpo, todo o contrário à minha [ri]. Ali há muitos autógrafos dele, que eu saiba não há inéditos, e também há muita correspondência, que também há na [fundação] Penzol, porque Carvalho foi durante muitos anos o filólogo, o gramático e o linguista de Galáxia. Até que se produz o distanciamento, Carvalho Calero é Galáxia. Nas primeiras fotografias de Galáxia dos Conselhos de Administração, assembleias… Sempre aparece Carvalho. Há um livro editado por Galáxia, ademais, que eu recomendo, que é a correspondência entre Carvalho e Fernández del Riego.
“Até que se produz o distanciamento, Carvalho Calero é Galáxia”
De facto, em outras entrevistas oferecidas por antigos alunos ou discípulos de Carvalho, eles afirmam que esse distanciamento de Fernández del Riego foi uma questão que lhe causou grande dor.
Sim… Porém, vou dizer uma cousa. Não sei se foi um distanciamento. Seguramente o foi. Pronto, igual que agora. Estamos todos na mesma causa mas depois saltam faíscas. E houve faíscas históricas entre Isaac Díaz Pardo e Luís Seoane, que eram os dous criadores do Laboratório de Formas e de Sargadelos. E houve faíscas muito gordas. E isso forma parte um pouco da vida. Os amigos às vezes discutem… Porém, com Ricardo Carvalho Calero é muito curioso. A primeira vez na que há constância na Academia de que há uma proposta para que Carvalho Calero seja homenageado no Dia das Letras Galegas é em 2005, e a proposta de Jose Luís Franco Grande e Francisco Fernández del Riego. A segunda vez foi no ano seguinte, a proposta minha e de Francisco Fernández del Riego, que o propomos para debate numas reuniões prévias consultivas, antes de entrar em pleno. Antes não era como agora, que está muito mais regulamentado. Agora deve haver uma proposta documentada com méritos e ser assinada por, no mínimo, três académicos… Porém, quando eu entrei, havia propostas que eram feitas ali, ou alguma chegada de fora à qual alguém podia aderir… E depois fica constância nas actas e nos debates. Por isso o sabemos, porque não há nenhum outro documento.
“A primeira vez que Carvalho Calero é proposto na Academia para ser homenageado no Dia das Letras Galegas é no 2005, com Franco Grande e Fernández del Riego”
E essa proposta minha para dedicar as Letras a Carvalho foi por Fernández del Riego. E a de Franco Grande também. Paco del Riego pediu-nos a ambos. Ele ademais quase se enfadou comigo quando lhe disse: “Paco, olha, há que ter cuidado porque abrimos um melão”. Ele insistia muito no de Carvalho Calero. Dizia que não queria morrer sem ver Carvalho Calero como figura homenageada no Dia das Letras Galegas. E claro, eu dizia-lhe aquilo, não o oculto, porque eu na altura ademais era director de Galáxia.
Galaxia?
Vamos ver, Galaxia… Porque a Academia não tem certos problemas, mas uma editora sim. Em que ortografia publicamos a Carvalho? Claro, esse é um tema importante. Paco tirava importância e dizia que não fizéramos caso, que só fora uma última época, que foram caralhadas… E não, não, não são caralhadas. Afinal, da vida das pessoas, elas vão mudando de posição e isso não é uma caralhada. Portanto, nós temos que saber em que ortografia publicar Carvalho. E se publicamos Carvalho em ortografia reintegrada… abrimos um problema na escola. Quer dizer, abrimos um problema que igual não é grave ou igual sim. Nós temos que ser cientes do que fazemos. Não somos umas crianças nem uns irresponsáveis. E eu falava como diretor de Galáxia. Depois passou o tempo, reformei-me e agora há outro diretor. Agora, nós quando decidimos o de Carvaho, que a mim também me preocupava muito este tema, também lhe perguntei à família. E disse “olha, sem me meter na vossa vida… quero que saibais que há muitas editoras que vão fazer essa pergunta”. E Maria Vitória disse que isso era um problema das editoras, que eles não se iam meter aí, disse que as editoras podiam quer editar na norma oficial quer editar nas propostas ortográficas de Carvalho. E aí ficou.
“Fernández del Riego tirava importância à escolha ortográfica de Carvalho, dizia que só fora uma última época, mas não são parvadas. Na altura, se publicássemos a obra de Carvalho em reintegrado… abriríamos um problema na escola”
A família apoia que seja feito em reintegrado, não?
Sim, sim… Não se opõe, nem a uma, nem a outra. Nem que se faça na oficial, nem que se faça em reintegrado. E isso são decissões que deve tomar a própria editora. Se eu edito Scórpio… Scórpio está escrito originalmente numa ortografia que deve ser respeitada. Essa é a minha opinião, como editor. E estou a falar a nível particular. E se for a História da Literatura Galega… publicá-la na oficial. Depois há cousas de Carvalho que têm muito interesse e outras pelas que passou o tempo. Isso também forma parte da história.
Dizes que a primeira vez que foi proposto foi em 2005 por Franco Grande e Fernández del Riego, mas não foi até 2019 que foi para diante…
Bom, mas isso passou-lhe a muitos.
Que pensas que impediu em passados anos dedicar as Letras a Carvalho?
Bom, pois é que de fundo…
Haveria medo a ‘abrir esse melão’?
Claro, eu penso que sim, e depois também havia histórias pessoais, nas que não vou entrar porque cada um fala da feira como a viveu e como a sofreu. O próprio Carvalho também a sofreu. Ou seja, sempre que há um conflito há pelo menos dous ou três afetados. E isso estava aí. Há sensibilidades muito diferentes. O que acontece é que a Academia também vai mudando à medida em que se vai incorporando gente nova que tem, temos, outra perspetiva das cousas. E depois o tempo permite também abordar com muita mais tranquilidade cousas que foram vividas intensamente, porque tu és muito nova mas eu que vivi a guerra ortográfica há trinta anos… aquilo era um incêndio.
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Agora não vivemos isso?
Não. Vivíamos cousas nos institutos… patéticas. E há gente ferida dessa guerra. Quer dizer, houve gente que levou o que era uma discusão académica e intelectual às aulas. E então havia alunos que recebiam dum professor uma proposta ortográfica, na aula do lado o professor de galego leccionava outra… Na aula do lado, outra… Depois entre eles discutiam… E os alunos e alunas, que eram crianças de 14 anos, tomavam isso como se fosse brincadeira, e os pais… penso que era um problema de novatos.
Chamou muito a atenção que na notícia das Letras Galegas para 2020 o nome de Carvalho fosse escrito na normativa oficial, não com V e LH.
E entre parênteses pusemos o nome em reintegrado.
Depois.
Não, foi no primeiro momento, mas o sistema informático da Academia não permite introduzir parênteses [ri].
Aí têm um problema.
Não, bom, agora resolvemos isso: entre colchetes… E agora está corrigido.
Que destaca da sua figura e da sua obra? Quer a nível individual quer como presidente da Academia, como vai ser abordado o ideário linguístico de Carvalho?
Bem, vamos ver… A Academia tem dous momentos, além doutro tipo de atividades como são o Portal das Palabras ou a Primavera das Letras, que está pensado para escolas de primária a iniciativa dos professores. Destes dous momentos um é a celebração do Dia das Letras, com a intervenção formal dos académicos ao redor da figura de Carvalho. Então escolheremos três académicos que abordem a figura de Carvalho Calero desde diferentes perspetivas. E depois, em segundo lugar, haverá um simpósio académico onde haverá distintas vozes sobre a sua figura e onde todas as vozes que tenham algo que dizer, podam dizê-lo. Se têm que estar três dias, serão três dias, mas todo o mundo com uma posição documentada e consistente, terá espaço para poder dizê-lo com a madurez que permite hoje uma sociedade, incluso uma sociedade galego-falante, que pode abordar estes temas com uma tranquilidade, documentação e conhecimentos que não existiam há trinta anos.
“Todo o mundo com uma posição documentada e consistente terá espaço e voz no simpósio académico de Carvalho Calero”
Então isso também vai permitir que a figura de Carvalho Calero seja abordada dessa perspetiva, mas não é a única perspetiva de Carvalho. E isso também é importante. A Academia não aborda Carvaho Calero pelo tema da proposta ortográfica, senão que homenageia a sua figura histórica. Carvalho Calero é, de forma semelhante a António Fráguas, a crónica do galeguismo do século XX. Carvalho Calero viveu desde o período pré-Guerra Civil e República, porque é um homem muito comprometido com a República, o galeguismo do momento, o Seminário de Estudos Galegos e o Partido Galeguista… participa inclusive com Lois Tobio na redação do anteprojeto do Estatuto de Autonomia que promove o Seminário… Quer dizer, há uma série de atividades objetivas de Carvalho. E depois, na guerra, ele é uma vítima da repressão, com todas as consequências. É uma situação muito grave que eu penso que o afetou emocional e psicologicamente, afetaria a qualquer pessoa.
Depois, é um homem do que chamaríamos o exílio interior. Pratica um bocado -como aconteceu ao próprio Antonio Fraguas e Fernández del Riego- a clandestinidade. Ele viveu exercendo de professor às escondidas para manter a sua família. Foi uma situação muito dura. Teve a sorte de ser acolhido por António Fernández no [instituto] Fingoi, e aí está atuando já o grupo Galaxia, os que foram os fundadores de Galaxia. E ele não pode exercer como professor e é contratado como gerente! Ali chegaram também para serem professores pessoas como Ferrín ou o próprio Bernardino Graña. E nesse momento começa a trabalhar com Fernández del Riego –porque eram amigos íntimos– na História da Literatura Galega Contemporánea. E nesse livro de correspondência entre os dous é impressionante ver como trabalham, com que constância, com que método, com que teimosia… É um retrato dos dous, como procuram os livros, como os vão pedir… Claro, porque agora tudo está na Internet e há umas bibliotecas muito boas, mas daquela não havia nada. Encontrar um original de Proezas de Galicia de Fernández Neira ou encontrar uns documentos do que podia ser o galego patriótico da guerra contra os franceses, ou os primeiros textos em língua galega dos Precursores… Aí também estava Penzol, que estava comprando muito livro e dotando o que depois seria a partir de 1963 a biblioteca da Associação Penzol, e todos estavam aí puxando e construindo…
Ou seja, sou consciente de que Carvalho era o historiador da literatura e o gramático, porque foi a quem lhe encarregaram a Gramática do Galego Comum, de Galáxia, porque antes não havia nada, era uma seleção. E com esse material, Carvalho é quem nos dá aulas a nós na faculdade.
Além do trabalho académico sobre a literatura e a gramática, há trabalhos dele vigentes ainda agora, como as suas análises e diagnósticos sobre a situação sociolinguística do país.
Bom, eu penso que há muitas cousas, na minha visão pessoal, que o tempo passou por elas. Inclusive quanto ao critério literário, hoje seria abordado doutra maneira; mesmo a sensibilidade de Carvalho sobre diversos autores como Eduardo Blanco Amor é discutível, mas opinável, porque todo o mundo tem direito a ter uma opinião e isso não desmerece a sua figura… Ora, para mim, e agora falo a título pessoal e não como presidente da Academia, porque a Academia tem umas posições que são de todos e eu devo respeitar e defender… Para mim Carvalho abre um debate que é o da posição da língua galega na família histórica do que chamaríamos o romance hispánico occidental, que é Portugal e Galiza, Brasil… Este é um universo que acho uma riqueza, certamente.
Nós estivemos agora em Rio de Janeiro e fomos recebidos pelo presidente e toda a Academia de Letras, com Nélida Piñón… E ela disse uma frase muito bonita, disse “eu sou uma nena de aldeia, e uma nena de aldeia galega, e quando falava galego ali e logo quando cheguei à literatura portuguesa descobri a língua galega da minha infância, era como viajar pelas profundidades íntimas da língua portuguesa”. É uma história bonita, porque ali também saiu um tema no que insistimos muito, porque agora a filologia portuguesa com o tema do galego não acaba de entender que o português é filho daquele galego medieval. Então há uma corrente moderna filológica portuguesa que fala do português arcaico. Quer dizer, Mendinho, Pedro da Ponte, Bernardo Bonaval, Airas Nunes… escreveram em português arcaico. Que demo é o português arcaico!? Porquê? Porque não são capazes de reconhecer que a sua identidade linguística-nacional…
“Em Portugal não são capazes de reconhecer que o português é filho daquele galego medieval, têm um discurso obsoleto”
Claro, porque esse relato atenta contra o seu discurso nacional.
Sim, mas esse discurso nacional está obsoleto! Essa ideia de que nós somos uma nação… às vezes, as nações são construções históricas que podem ser alimentadas doutras muitas cousas. A Venezuela é uma nação, Argentina é uma nação… e falam uma língua vinda doutro sítio. Podiam falar outra cousa, podiam falar mapuche, sim, mas não falam mapuche. E os portugueses falam e desenvolveram aquela língua original. E nós, na nossa intervenção, insistimos muito em situar historicamente o galego nesse discurso. Os brasileiro entendem muito bem isto, mas entre os portugueses há de tudo… E o que não se conhece, não se ama. Então nós, para enfrentar estes temas, devemos criar espaços de relação, conhecimento e comunicação. Eu trouxe à Galiza pola primeira vez, quando dirigia o grupo Anaya, o Cardoso, Pepetela, Antunes… que nem sabiam que existia este país. Como é possível que a gente ainda pense que a Galiza é uma espécie de território perdido de quatro aldeias ao norte de Trás-os-Montes… Como é possível? Nós somos um país moderno, um país que faz cinema, que faz literatura e que faz música e que tem que estar situado na Europa do século XXI. Nós não somos um recanto folclórico nem uma reserva. Esse discurso é importante defende-lo com firmeza, e a partir de que se criem relações… depois a própria vida vai criando dinâmicas entre as pessoas, os grupos e os interesses que estão em jogo sempre na expressão duma coletividade.
Mas… que oferece Galiza para toda a Lusofonia?
Oferece na medida em que nós sejamos capazes de criar. A ti interessa-che um país ou uma cultura pela sua criatividade, pola capacidade que tem para fazer cousas que interessem. Uma boa cinematografia, uma boa literatura, uma boa ciência, umas boas artes plásticas e cénicas, uma boa música… Não por mudar o código linguístico mudamos o país. Essa é a minha opinião, porque para essas… também mudamos todos para o espanhol, e eu não estou por essas! O que temos que fazer é trabalhar em nós, e aprofundar em nós, e fazer com exigência um produto crítico –e com autocrítica– que seja competitivo nos espaços internacionais, e depois criar –e aqui estamos a falar de política– os circuitos de distribuição, de difusão, de informação, de indústria… para que esse produto seja conhecido no mundo.
Não por mudar o código linguístico mudamos o país.
Quando fui a Portugal com Manolo Lombao para falar com as televisões, para tentar convencer a RTP do Porto de poder estabelecer colaborações entre as televisões da Galiza e Portugal… não conseguimos. Eles no único que pensavam era em Madrid, Madrid e Madrid. O que queriam era falar com Madrid. Era uma conversa distendida com autoridades da RTP. E num momento dissemos “vamos ver, não podemos incorporar os companheiros de Brasil?”. Nesse momento ouvimos dizer: “O Brasil roubou-nos a língua”. Textual. E eu já disse: “Aqui há um problema psicológico muito fodido” [ri]. Quer dizer, a única forma de falar estas cousas é falar em pé de igualdade, e o único jeito de falar em pé de igualdade é ter um produto competitivo, moderno, exigente e capaz de despertar o interesse no mundo. E ter o país atrás de nós. O que não podemos, e este é um aspeto do problema, é construir uma fórmula de tubo de ensaio, uma língua de universidade ou e laboratório, por muito perfeita que pareça, e que depois o falante do Val Minhor, ou o falante da Terra Chã ou o falante de Bertamirães diga… Isso não tem nada a ver comigo.
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Nos anos 70, com os artigos de Rodrigues Lapa ou o manifesto dos 13 de Roma, Carvalho começou a mostrar mais atenção à proposta reintegracionista. Dizes que certas análises de Carvalho ficaram desatualizadas com a passagem do tempo mas…
[Interrompe] Não foi até os anos 80; nos anos 70, quando era o meu professor, nunca falava do tema nas aulas. Foi nos 80 quando mostra essa postura.
Quando começou o ostracismo.
Sim, bom… Houve discrepâncias com o grupo Galáxia, com o próprio Fernández del Riego, Ramón Piñeiro e gente da Academia.
Esta necessidade da que falas de projetar o galego para o exterior cumpre formulá-la também a partir de uma releitura da situação do galego, que mostra uns dados realmente alarmantes. São estes dados uma constatação do fracasso da política linguística das últimas décadas?
Sim, mas isso não é solucionado com um problema ortográfico. Não é um problema ortográfico.
Mas Carvalho, por exemplo, no seu Do galego e da Galiza já prognosticava estas questões…
Mas não só Carvalho! Alonso Montero no famoso Informe Dramático sobre a língua galega diz isso claramente.
Carvalho prognostica a situação que vivemos agora e propõe soluções para a crise linguística inserindo o galego no sistema linguístico da Lusofonia. Então, com isto em mente… o futuro da língua passa pela Lusofonia? Ou, como disse Castelao, a nossa língua floresce em Portugal?
Eu, como disse antes, penso que o futuro do galego passa pelo galego. Eu penso que o futuro do galego passa por uma Galiza moderna que crie produtos culturais e de todo o tipo que situem a Galiza como uma sociedade desenvolvida que despertem interesse. E que ademais as galegas e os galegos estejam participando desse discurso. Esse é um problema político que temos atualmente, porque não conseguimos construir um discurso motivador onde o país se reconheça. Na medida em que isso seja produzido, a Galiza vai adquirir peso específico próprio, porque isso também está em função das criações que tivermos, das que difundires e espalhares. Logicamente, eu sou partidário de abrir espaços de relação com essa família a que pertencemos.
“Um problema político que temos atualmente é que não podemos construir um discurso de ilussão onde o país se reconheça. Logicamente, eu sim sou partidário de abrir espaços de relação com essa família à que pertencemos “
Achas então que é uma estrategia acertada? Porque as instituições…
Que estratégia?
Reconhecer o princípio de irmandade com o português e fomentar…
Sim, sim, mas temos de ter o país atrás de nós, porque temos que explicar ao país a utilidade de tudo isso. E temos ademais que reconhecer que o país tem que se reconhecer nesse idioma, e o idioma de além Minho é uma língua irmã, mas não é a língua que estamos a falar agora.
“A única forma de falar em pé de igualdade com o resto do mundo é ter um produto competitivo, moderno, exigente… e ter o país atrás de nós. Não podemos construir uma língua de laboratório e que depois o falante de Bertamirães não se sinta representado”
Com estes dados de falantes na mão… Pensas sequer que o país se reconhece no galego?
Mas não é por um problema ortográfico! Não se reconhece no galego porque, e isso leva-nos a outra questão, há muita impostura no galego. As classes dirigentes e os setores dirigentes da sociedade galega predicam uma cousa e fazem outra. Eu não posso ir a determinado galego, que não vou dizer quem, e esse político com uma alta responsabilidade, sai do gabinete e com a sua secretária, com o seu chefe de gabinete… fala em castelhano. Isso a sociedade vê-o. Então isto é uma grande impostura, é uma representação. E nós temos que conseguir que a sociedade viva a língua e seja ciente da própria coerência das classes dirigentes também.
Esse “viver a língua” é muito abstrato; parece que interpelas a emocionalidade e…
Não, e também à utilidade económica e…
E a utilidade económica do galego passa pola Lusofonia?
Hum… Sim, sim ou não.
Uma das teses de Carvalho era que não seria possível convencer através da ligação emocional, mas com motivos práticos…
Não sei, não acredito nisso… Volto ao de antes, o galego é o galego, o galego não é o português. O galego não é o brasileiro nem é o angolano. Então, essa afirmação tem que partir de em que medida podemos nós assumir ou refletir sobre modificações. Bom, temos que valorar isto com a cabeça fria e saber a que nos arriscamos se introduzimos modificações desse tipo, que têm que ver com a indústria da cultura e da comunicação e, sobretudo, com a capacidade dos cidadãos e cidadãs para se reconhecerem nessas fórmulas. A mim assusta-me muito porque, igual que na política, trabalhamos num tubo de ensaio e pensamos que como nós somos muito inteligentes o resto das pessoas têm que dizer amém. E não, porque as pessoas vão por outro lado.
“O galego é o galego, o galego não é o português nem o brasileiro nem o angolano”
Carvalho Calero era sócio de honra da AGAL, que propõe o modelo binormativista. Qual é a tua impressão sobre esta proposta?
Eu penso que a fórmula binormativista não é acertada, porque uma língua é uma norma. E já sei que se fala do luxemburguês e do norueguês, que são dous casos muito específicos e penso que não têm que ver com o galego. Segundo, nós, sobretudo, para as escolas e o sistema educativo, para os contratos, a Administração pública, para os contratos, os notários e os tribunais… Isso temos que tê-lo muito claro, tem que haver uma única norma.
Antes falavas duma preocupação de tipo emocional, ligada com “viver a língua”, e agora expressas uma preocupação de carácter muito mais prático.
Não, não, sigo estando na questão prática!
Então, fazendo um exercício de imaginação, partindo duma hipótese… Se instaurássemos o binormativismo, qual achas que seria a melhor forma de instaurá-lo? Seria melhor aplicá-lo como segunda língua estrangeira através do português, dentro do próprio currículo de galego…?
Não, eu não estou pelo binormativismo. Não. Não. Estou por uma norma única e oficial.
Mas imagina…
Não, não, espera, porque eu isto já o falei. Eu sim estou porque o português entre no sistema educativo como uma referência… que saibam que existe uma língua irmã distinta que está muito próxima da nossa e que nos permite uma projeção também internacional, através dela, no sentido prático: o português. É o que digo eu, por exemplo, em relação à revista Grial. Em Grial temos duas línguas: o galego e o português.
Então estarias a favor de introduzir o português na educação, como dita a Lei Paz Andrade?
Sim, eu apoio a Lei Paz Andrade. O galego, na matéria de galego, e agora, se quereis estudar português, estudais português.
E introduzir a aprendizagem da ortografia portuguesa dentro do currículo de Língua e Literatura Galegas?
Eu estou de acordo com conhecer o português e estudar o português e que a gente descubra que a língua galega e a língua portuguesa são línguas irmãs e que com muito pouco esforço -que foi o meu discurso de entrada na Academia- tu podes incorporar-te a uns espaços linguísticos e culturais enormes, sem deixar de ser galegos.
“A língua galega e portuguesa são línguas irmãs, e com pouco esforço podes incorporar-te a uns espaços linguísticos e culturais enormes, sem deixar de ser galego”
Pelo que dizes… Achas que há um risco com a proposta reintegracionista ou com o binormativismo de perder identidade ou autonomia própria como galegos? É por isso que insistes em que ‘o galego é o galego’?
Sim. E ademais tem um custo que pode significar perder.
No teu discurso de entrada na Academia falavas das lendas populares da Trabe de Ouro e da “paxariña de Armenteira” como uma representação da tensão histórica perante a encruzilhada vital que a nova modernidade nos enfrenta. [A “paxariña de Armenteira” é exemplo da tentação de se deixar levar perante a insegurança de não saber, “melhor deixar as cousas como estão e não arriscar”, perante o risco, a preparação, o estudo e o conhecimento que exige a Trabe de Ouro.] No teu discurso falas de que “o futuro é um projeto em construção, implica vontade de querer construí-lo”. Continuar a insistir nesse modelo de ‘o galego é o galego’ não será a “paxariña de Armenteira”?
Não sei. Eu não faria essa comparação. Para centrar bem a minha posição, que é o que me interessa: o galego é o galego, e o galego são os falantes da língua galega, e os falantes de língua galega têm que se reconhecer no seu idioma, tanto no uso como no prestígio e na autoestima. A língua é um capítulo mais da capacidade de expressão e criação que tem um país no âmbito da economia, no âmbito da empresa, no âmbito da cultura, etcétera. Na medida em que este país se desenvolva e entre na modernidade, nos desafios do século XXI, este país vai ser capaz de gerar produtos que interessem no mundo. E isso é identidade própria. Nós não precisamos do castelhano para viajar pelo mundo nem precisamos de Lisboa para viajar pelo mundo. Entre outras cousas porque Lisboa não acaba de entender-nos nada bem, igual que Madrid. Brasil, repito, é outra história, há outra sensibilidade. Porque Lisboa e Madrid têm o complexo de império, não são capazes de superar que, claro, “roubam-nos a língua”. Vamos ver, vós não sois proprietários da língua. E os angolanos há tempo que se desentenderam desta visão, já nem aceitam os acordos.
Brasil tem melhor disposição mas ao mesmo tempo não precisa de mais ninguém. É tão imenso que, culturalmente, não precisa de importar nada.
Porque tem uma criatividade imensa. Há países imensos que não acabam de ter capacidade de entrar no mundo. É rico, mas há países muito ricos que estão mortos culturalmente falando. É um país formidável, com uma música e uma cultura impressionante… E para nós, no nosso imaginário coletivo, no da nossa geração, os portugueses eram os senhorinhos que vinham a Ponte Vedra com um chapéu preto, sentados nas escadas… E quando dizíamos que algo era uma ‘portuguesada’ já sabíamos a que se referiam, igual que quando eles diziam que algo era uma ‘galegada’… Até que aparece Vinícius de Moraes e até que aparece a bossa nova… E isso também é Portugal! Ou até que de repente o pai de Antonio Fraguas vai a Niterói (Brasil) trabalhar nos caminhos de ferro e descobre que a sua língua de Cotobade é útil, não o isola. Os imaginários vão mudando. E é nesse tipo de relações que vão mudando o imaginário coletivo que temos que trabalhar.
“Os imaginários vão mudando, como o pai de Antonio Fraguas quando vai trabalhar nos caminhos de ferro a Niterói e descobre que a sua língua de Cotobade é útil”
Agora, meter o binormativismo agora no sistema eu penso que seria, na minha opinião, pedagógica, estratégica e politicamente falando, um disparate. Bem-intencionado, mas um disparate.
Tens muita preocupação por como a gente identifica e interioriza a língua. Há também gente nova que está a dar o passo para o galego, mas não só, porque passam do castelhano para o galego reintegrado. Interiorizam a língua, e interiorizam-na inscrita na Lusofonia. Esta gente… como contas com esta gente nova na estratégia que defendes?
Que utilizem o português e que não abandonem o galego. Tenho um filho aí: o meu filho escreve como escreves tu.
Essa é a tua ideia?
A minha ideia é que não devemos viver acomplexados pelo castelhano nem viver acomplexados pelo português. Volto ao de antes, o galego é o galego, e o galego tem que construir, mesmo para, chegado o momento, poder modificá-lo, tem que construir a sua própria identidade, a partir da autoestima e a partir dum produto moderno, competitivo na criatividade. E depois de chegarmos aí, podemos abordar diferentes passos, porque isto não é eterno. As cousas não são assim para sempre. Se calhar, dentro de dez anos ou dentro de cinco anos estamos falando de que já podemos enfrentar mais cousas. Deixemos que o debate continue. E que possamos ter o debate como o estamos a ter eu e tu agora.
“As cousas não são assim para sempre. Se calhar dentro de dez anos ou cinco estamos a falar de que já podemos enfrentar mais cousas. Deixemos que o debate continue”
Porque é certo que eu também tenho as minhas inseguranças, e as minhas contradições, e eu também sou neofalante de certa forma. Falava-o com Otero Pedrayo quando o entrevistei para Uma dúzia de galegos. Perguntava-lhe por isto e ele disse ‘a modo, rapazes, porque aqui todos somos conversos’. Quer dizer, todos os que conformam o que chamaríamos o sector consciente na política cultural e inteletual galega… nalgum momento demos o passo. Nalgum momento tivemos que tomar posição porque a derivada levava-nos sempre a Madrid, sempre ao castelhano. E naquele momento, quando dás um passo, é o resultado também duma reflexão, duns meios e duns afetos, e também duma riqueza que vais partilhando e vais descobrindo… Neste caso é a música, a literatura, as artes, o cinema, mas também é a vida social, o desenho das marcas comerciais… Tudo isso vai criando uma atmosfera que permite dar o seguinte passo. Eu insisto: a língua galega não é uma língua local, é uma língua que está em condições de dialogar com outras línguas irmãs que nos abrem ao mundo, mas é o galego e tem de ter os falantes atrás. E os experimentos… cuidado com os experimentos.

jueves, 30 de abril de 2020

A utilização da analogia da luta militar contra o Covid19, e o aplauso ò trabalho das Forças Armadas, indica que és um fascista?




No blog, aspirinaB, a respeito dum comentario de Francico Louça a criticar a utilização da imagem militar na luta contra o Covid 19. 

Um exército não é mau nem bom, depende da comunidade.

 

«Ainda nos vamos arrepender de ter tolerado, alguns com bonomia, a alegoria da ‘guerra’ para descrever a resposta à covid-19. Estava-se a ver que a imagética guerreira se iria espalhar sem amanhã, os governantes adoram imaginar-se como Churchill de charuto ou como Eisenhower na sala dos mapas, com tanques miniatura à voz dos chefes (Schwarzkopf na “Tempestade do Deserto” é um mito mais infeliz, melhor ficar com Eisenhower). O problema é que uma guerra que não é guerra conforta governantes que se pensam como um comando militar, permitindo a ideia de que viveremos em exceção permanente. Não faltarão ministros inebriados pelo silêncio no espaço público ou pela vontade de calar oposições. Há um Orbán escondido em cada esquina do poder.»


Francisco Louçã

*_*

Do que fala o Anacleto? As utilizações da semântica militar são de uso corrente, desde sempre e para todo o sempre, nos discursos medicinais e das políticas de saúde. Acaso os antibióticos e as vacinas não são uns dos melhores recursos que os humanos descobriram para “combater” as doenças? Estamos no reino dos clichés mais estafados – mas precisamente porque são úteis, eficazes, bondosos na sua ênfase retórica. No caso da crise da pandemia de coronavírus e suas consequências patológicas, a COVID-19, alguns dirigentes políticos aplicaram em discursos que se pretendiam institucionalmente fortes termos directamente relacionados com as guerras entre povos e nações. Estavam a recorrer a uma analogia de percepção e entendimento imediato para alertarem e prepararem as sociedades para alterações radicais na economia e estilo de vida que, exactamente, só comparam com situações de guerra militar mesmo que esta crise de saúde e de produção e consumo económicos tenha inúmeras e inevitáveis diferenças. O curioso é constatar que quem tal simetria adoptou nas democracias ocidentais não sofre de tiques ditatoriais nem se lhes conhecem pulsões bélicas. Foram precisamente aqueles que entram nesse retrato perigoso e decadente, como Trump e Bolsonaro, quem disparou na direcção oposta, negando durante meses as evidências que vinham da China e alastravam pelo mundo e preferindo o pensamento mágico e uma ignorância científica que não estará longe de ser criminosa.

O comentário deste comentador profissional (é nessa condição que o faz) é, portanto, absurdo. Não existe qualquer imagética guerreira a espalhar-se seja onde for, especialmente se falarmos da Europa, a não ser nos vulgares discursos mediáticos sobre aqueles que estão “na linha da frente” e a quem se tem reconhecido o justo “heroísmo” com que “lutam” arriscado a sua vida para salvar as nossas. Não existe, e é pena, pois há uma tradição guerreira, que os militares de vocação cultivam, inerente à génese da democracia – portanto, garante da liberdade sobre a qual se erigiu o Estado de direito. A religião e o exército, para um fanático como o Anacleto, podem não passar de excrescências imperialistas que os amanhãs que cantam estão fadados para apagar da História, daí ter carregado de lança em riste contra moinhos. Mas bastaria recordar os inventores atenienses da “política”, recordar Rousseau, recordar o 25 de Abril, para reconhecer que um exército não é mau nem bom, depende. Depende da comunidade.

No vídeo musical à disposição acima, vemos um dos maiores sucessos populares (em visualizações) com cantores portugueses. Os valores de produção da coisa são paupérrimos e a realização é amadora. Contudo, o efeito de mergulho emocional na audiência é imediato e os mecanismos de narrativa presentes (elementos das Forças Armadas Portuguesas, o apoio médico e social à crise, a bandeira nacional, a letra patriótica, a melodia lírica – e os artistas, com a sua semiótica corporal e vocal) despertam um sentimento de ligação colectiva profundamente envolvente. Ninguém de ninguém sai da experiência que o vídeo oferece com vontade de pegar em armas, de culpar chineses ou de abolir direitos cívicos. É precisamente ao contrário, ficamos unidos subjectivamente a qualquer outro ser humano que se encontre a sofrer ou a ajudar quem sofre – independentemente do género, idade, cor da pele, nacionalidade e profissão. Queremos imitá-los, ou saudá-los, agradecer-lhes.

Portugal teve uma guerra colonial que causou milhares de mortos, feridos, mutilados e traumatizados. Quando o regime mudou, esta gente foi alvo de esquecimento, desprezo e mesmo ostracismo. A um sofrimento indizível, o combate onde se pode morrer de um momento para o outro, seguiu-se um sofrimento inefável, a morte lenta na pobreza, na dor e na impotência. A cegueira ideológica à esquerda nunca se preocupou com eles e a cegueira ideológica à direita apenas os explorou oportunisticamente. E, apesar dos pesares, nos militares está depositada a arte da guerra sem a qual não teríamos sobrevivido como espécie e não nos teríamos civilizado.

A cegueira ideológica, ou egocêntrica, é um combustível inesgotável para os nossos comentadores profissionais.

reis
Mas bastaria recordar os inventores atenienses da “política”, recordar Rousseau, recordar o 25 de Abril, para reconhecer que um exército não é mau nem bom, depende. Depende da comunidade.
Explêndido texto , concordo de princípio a fim .
Há quem ainda não evolucionou dos clichés estereotipados de leninistas e imperialistas. O mundo é amplo, pula e afortunadamente muda tanto nas pessoas como nas opiniões. O problema da olhada de Louça tem o seu paradigma na Espanha, na que , por causas varias, muitos ainda misturam alhos com bugalhos o falarem de uniformados.

lunes, 20 de abril de 2020

La Democracia no está hecha para chiquilladas. Presidente Roosevelt, discurso de Investidura, 4 de Marzo de 1933.


Presidente Hoover, Sr. Presidente del Tribunal Supremo, mis amigos:

Este es un día de consagración nacional. Y estoy seguro de que, en este día, mis conciudadanos estadounidenses esperan que, cuando llegue a la Presidencia, los aborde con franqueza y con una decisión que impulse la situación actual de nuestro pueblo. Este es preeminentemente el momento de decir la verdad, toda la verdad, franca y audazmente. Tampoco debemos evitar las condiciones que enfrentamos honestamente en nuestro país hoy. Esta gran nación perdurará como ha aguantado, revivirá y prosperará.

Entonces, antes que nada, permítanme afirmar mi firme creencia de que lo único que debemos temer es el miedo en sí mismo: un terror sin nombre, irracional e injustificado que paraliza los esfuerzos necesarios para convertir la retirada en un avance. En cada hora oscura de nuestra vida nacional, un liderazgo de franqueza y vigor se ha encontrado con ese entendimiento y apoyo de la gente misma, lo cual es esencial para la victoria. Y estoy convencido de que nuevamente brindará ese apoyo al liderazgo en estos días críticos.

Con tal espíritu de mi parte y de los suyos, enfrentamos nuestras dificultades comunes. Se refieren, gracias a Dios, solo a las cosas materiales. Los valores se han reducido a niveles fantásticos; los impuestos han aumentado; nuestra capacidad de pago ha disminuido; El gobierno de todo tipo se enfrenta a una seria reducción de los ingresos; los medios de intercambio están congelados en las corrientes comerciales; las hojas marchitas de la empresa industrial yacen a cada lado; los agricultores no encuentran mercados para sus productos; y los ahorros de muchos años en miles de familias se han ido.

Más importante aún, una gran cantidad de ciudadanos desempleados se enfrentan al sombrío problema de la existencia, y un número igualmente grande trabaja con poco retorno. Solo un tonto optimista puede negar las oscuras realidades del momento.

Y, sin embargo, nuestra angustia proviene de la falta de sustancia. No nos afecta ninguna plaga de langostas. En comparación con los peligros que nuestros antepasados ​​conquistaron porque creían y no tenían miedo, todavía tenemos mucho por lo que estar agradecidos. La naturaleza todavía ofrece su generosidad y los esfuerzos humanos la han multiplicado. Mucho está a la vuelta de la esquina, pero un uso generoso de él languidece a la vista del suministro. Principalmente esto se debe a que los gobernantes del intercambio de bienes de la humanidad han fracasado, por su propia terquedad y su propia incompetencia, han admitido su fracaso y han abdicado. Las prácticas de los cambiadores de dinero sin escrúpulos son acusadas en el tribunal de la opinión pública, rechazadas por los corazones y las mentes de los hombres.

Es cierto que lo han intentado, pero sus esfuerzos se han basado en el patrón de una tradición pasada de moda. Ante el fracaso del crédito, solo han propuesto el préstamo de más dinero. Despojados del atractivo de las ganancias para inducir a nuestra gente a seguir su falso liderazgo, han recurrido a exhortaciones, pidiendo con lágrimas en los ojos la restauración de la confianza. Solo conocen las reglas de una generación de buscadores de sí mismos. No tienen visión, y cuando no hay visión, la gente perece.

Sí, los cambistas han huido de sus altos asientos en el templo de nuestra civilización. Ahora podemos restaurar ese templo a las antiguas verdades. La medida de la restauración radica en la medida en que aplicamos valores sociales más nobles que el mero beneficio monetario.

La felicidad no radica en la mera posesión de dinero; reside en la alegría del logro, en la emoción del esfuerzo creativo. La alegría y el estímulo moral del trabajo ya no deben olvidarse en la loca persecución de las ganancias evanescentes. Estos días oscuros, mis amigos, valdrán todo lo que nos cuestan si nos enseñan que nuestro verdadero destino no es ser ministrado sino ministrarnos a nosotros mismos y a nuestros semejantes.

El reconocimiento de la falsedad de la riqueza material como el estándar de éxito va de la mano con el abandono de la falsa creencia de que el cargo público y la alta posición política deben ser valorados solo por los estándares de orgullo de lugar y beneficio personal; y debe haber un final para una conducta en la banca y en los negocios que con demasiada frecuencia le ha dado a un sagrado fideicomiso la semejanza de las malas y egoístas irregularidades. No es de extrañar que la confianza languidezca, porque prospera solo en la honestidad, en el honor, en lo sagrado de las obligaciones, en la protección fiel y en el desempeño desinteresado; sin ellos no puede vivir.

Sin embargo, la restauración no requiere solo cambios en la ética. Esta nación está pidiendo acción, y acción ahora.

Nuestra principal tarea principal es poner a las personas a trabajar. Este no es un problema sin solución si lo enfrentamos sabia y valientemente. Puede lograrse en parte mediante el reclutamiento directo del propio gobierno, tratando la tarea como trataríamos la emergencia de una guerra, pero al mismo tiempo, a través de este empleo, logrando proyectos muy necesarios para estimular y reorganizar el uso de nuestro gran recursos naturales.

De la mano de eso, debemos reconocer con franqueza el desequilibrio de la población en nuestros centros industriales y, al participar a escala nacional en una redistribución, esforzarnos por proporcionar un mejor uso de la tierra para los que mejor se adaptan a la tierra. Sí, la tarea puede ser ayudada por esfuerzos definidos para elevar los valores de los productos agrícolas y con esto el poder de comprar la producción de nuestras ciudades. Se puede ayudar evitando de manera realista la tragedia de la pérdida creciente a través de la ejecución hipotecaria de nuestras pequeñas casas y nuestras granjas. Puede ser ayudado por la insistencia de que el gobierno federal, el estado y los gobiernos locales actúen de inmediato en la demanda de que su costo se reduzca drásticamente. Puede ser ayudado por la unificación de las actividades de socorro que a menudo son dispersas, antieconómicas, desiguales. Puede ser ayudado por la planificación nacional y la supervisión de todas las formas de transporte y de comunicaciones y otros servicios públicos que tienen un carácter definitivamente público. Hay muchas formas en que se puede ayudar, pero nunca se puede ayudar simplemente hablando de ello. Debemos actuar Debemos actuar rápidamente.

Y finalmente, en nuestro progreso hacia la reanudación del trabajo, requerimos dos salvaguardas contra el regreso de los males del viejo orden; debe haber una estricta supervisión de todos los bancos y créditos e inversiones; debe haber un fin a la especulación con el dinero de otras personas, y debe preverse una moneda adecuada pero sólida.

Estas, mis amigos, son las líneas de ataque. En este momento instaré a un nuevo Congreso en sesión especial medidas detalladas para su cumplimiento, y buscaré la asistencia inmediata de los 48 Estados.

A través de este programa de acción, nos dirigimos a poner en orden nuestra propia casa nacional y hacer que el balance de ingresos salga adelante. Nuestras relaciones comerciales internacionales, aunque muy importantes, son en el tiempo y la necesidad secundarias al establecimiento de una economía nacional sólida. Como política práctica, estoy a favor de poner primero lo primero. No escatimaré esfuerzos para restablecer el comercio mundial mediante el reajuste económico internacional, pero la emergencia en el país no puede esperar ese logro.

El pensamiento básico que guía estos medios específicos de recuperación nacional no es estrictamente nacionalista. Es la insistencia, como primera consideración, en la interdependencia de los diversos elementos en todas partes de los Estados Unidos de América: un reconocimiento de la antigua y permanentemente importante manifestación del espíritu estadounidense del pionero. Es el camino a la recuperación. Es el camino inmediato. Es la garantía más fuerte de que la recuperación perdurará.

En el campo de la política mundial, dedicaría esta nación a la política del buen vecino, el vecino que se respeta a sí mismo y, porque lo hace, respeta los derechos de los demás, el vecino que respeta sus obligaciones y respeta la santidad. de sus acuerdos en y con un mundo de vecinos.

Si leo el temperamento de nuestra gente correctamente, ahora nos damos cuenta como nunca antes nos habíamos dado cuenta de nuestra interdependencia mutua; que no solo podemos tomar, sino que también debemos dar; que si queremos avanzar, debemos movernos como un ejército entrenado y leal dispuesto a sacrificarnos por el bien de una disciplina común, porque sin tal disciplina no se puede avanzar, no se hace efectivo el liderazgo. Estamos, lo sé, listos y dispuestos a someter nuestras vidas y nuestra propiedad a tal disciplina, porque hace posible un liderazgo que apunta al bien mayor. Me propongo ofrecer esto, prometiendo que los propósitos más grandes nos obligarán, nos obligarán a todos como una obligación sagrada con una unidad de deber hasta ahora evocada solo en tiempos de luchas armadas.

Con esta promesa tomada, asumo sin dudar el liderazgo de este gran ejército de nuestro pueblo dedicado a un ataque disciplinado a nuestros problemas comunes.

La acción en esta imagen, la acción para este fin es factible bajo la forma de gobierno que hemos heredado de nuestros antepasados. Nuestra Constitución es tan simple, tan práctica que siempre es posible satisfacer necesidades extraordinarias mediante cambios en el énfasis y la disposición sin perder la forma esencial. Es por eso que nuestro sistema constitucional ha demostrado ser el mecanismo político más duradero que el mundo moderno haya visto. Se ha enfrentado a todas las tensiones de la vasta expansión del territorio, de las guerras extranjeras, de las amargas luchas internas, de las relaciones mundiales.

Y es de esperar que el equilibrio normal de la autoridad ejecutiva y legislativa sea totalmente adecuado para cumplir con la tarea sin precedentes que tenemos ante nosotros. Pero puede ser que una demanda sin precedentes y la necesidad de una acción no aplazada pueda requerir una salida temporal de ese equilibrio normal del procedimiento público.

Estoy preparado bajo mi deber constitucional de recomendar las medidas que una nación afectada en medio de un mundo afectado puede requerir. Estas medidas, u otras medidas que el Congreso pueda construir a partir de su experiencia y sabiduría, buscaré, dentro de mi autoridad constitucional, llevar a una pronta adopción.

Pero en el caso de que el Congreso no tome uno de estos dos cursos, en caso de que la emergencia nacional siga siendo crítica, no evadiré el curso claro del deber que me confrontará. Solicitaré al Congreso el único instrumento restante para enfrentar la crisis: un poder ejecutivo amplio para librar una guerra contra la emergencia, tan grande como el poder que me darían si de hecho nos invadiera un enemigo extranjero.

Por la confianza depositada en mí, devolveré el coraje y la devoción que corresponda al tiempo. No puedo hacer menos.

Enfrentamos los arduos días que nos esperan en el cálido coraje de la unidad nacional; con la clara conciencia de buscar valores morales antiguos y preciosos; con la clara satisfacción que proviene del severo desempeño del deber por parte de viejos y jóvenes por igual. Apuntamos a garantizar una vida nacional redondeada y permanente.

No desconfiamos del futuro de la democracia esencial. El pueblo de los Estados Unidos no ha fallado. En su necesidad, han registrado un mandato que desean una acción directa y vigorosa. Han pedido disciplina y dirección bajo liderazgo. Me han hecho el instrumento actual de sus deseos. En el espíritu del regalo lo tomo.

En esta dedicación de una nación, humildemente pedimos la bendición de Dios. Que Él proteja a todos y cada uno de nosotros. Que Él me guíe en los próximos días.

Presidente Franklin D. Roosevelt - 4 de marzo de 1933
«Our greatest primary task is to put people to work. This is no unsolvable problem if we face it wisely and courageously. It can be accomplished in part by direct recruiting by the Government itself, treating the task as we would treat the emergency of a war, but at the same time, through this employment, accomplishing greatly needed projects to stimulate and reorganize the use of our great natural resources.
[...]
If I read the temper of our people correctly, we now realize as we have never realized before our interdependence on each other; that we can not merely take but we must give as well; that if we are to go forward, we must move as a trained and loyal army willing to sacrifice for the good of a common discipline, because without such discipline no progress can be made, no leadership becomes effective. We are, I know, ready and willing to submit our lives and our property to such discipline, because it makes possible a leadership which aims at the larger good. This I propose to offer, pledging that the larger purposes will bind upon us, bind upon us all as a sacred obligation with a unity of duty hitherto evoked only in times of armed strife.
[...]
But in the event that the Congress shall fail to take one of these two courses, in the event that the national emergency is still critical, I shall not evade the clear course of duty that will then confront me. I shall ask the Congress for the one remaining instrument to meet the crisis - broad Executive power to wage a war against the emergency, as great as the power that would be given to me if we were in fact invaded by a foreign foe.
For the trust reposed in me, I will return the courage and the devotion that befit the time. I can do no less.
We face the arduous days that lie before us in the warm courage of national unity; with the clear consciousness of seeking old and precious moral values; with the clean satisfaction that comes from the stern performance of duty by old and young alike. We aim at the assurance of a rounded, a permanent national life.

We do not distrust the future of essential democracy. The people of the United States have not failed. In their need they have registered a mandate that they want direct, vigorous action. They have asked for discipline and direction under leadership. They have made me the present instrument of their wishes. In the spirit of the gift I take it.»

De vez em quando um livro: VOU COMTAR-TE UM SEGREDO


RETALHOS DO LIVRO DA MARGARIDA REBELO PINTO .
VOU COMTAR-TE UM SEGREDO


Últimamente têm passado muitos anos.

Como sou um rapariga normal, hoje sai da casa e apeteceu-me comprar um peixe. 
Do que eu precisava mesmo era de um bicho  pacato que fosse barato e desse pouco trabalho. Com que eu pudesse desabafar as minhas mágoas e me olhasse com complacência e solidaridade, sem , no entanto, precisar de pronunciar uma única palavra. Que me desse cor e movimento à vida e até quem sabe, algum conforto, mas que não deixasse a tampa do retrete para  cima, pêlos da barba no lavatorio e meias sujas enroladas  como bichos.
Se calhar tambem me deu para comprar o peixe, que é onde ele está.

Mas sem amor , sem esse fogo que arde sem se ver, sem essa ferida que dói e não se sente, que sabor tem a vida, reduzida  ao papel de jornal que se lê todas as manhãs para fingir que até nos interessamos pelo que se passa no mundo ?

Achem-me romântica, exagerada, adolescente tardia, infantil, o que quisserem.
Tudo isto para encontrar o meu príncipe encantado, que deixava pêlos da barba no lavatório e as meias enroladas como bichos de conta   ao pé da cama.

 Mas   a vida atropela-nos de súbito e quando damos por isso, já mudou tudo. Olhamos para tras, percebemos que se fechou um ciclo e que nada será como dantes.

Chumbado duaz vezes o latím por causa dela. Ela era uma grande seca. …é que mesmo sem teres ido naquela tarde ao são Carlos, não deixaste de entrar na  minha vida.

Que raio terás tu visto em mim,que não sou alto nem bonito. Que tenho um aparelho nos dentes e trabalho mais do que Deus manda.?