Faz ja para cinco ano nos que é um prazer que pratico a diario, ou quase que a diario lêr os posts de Ana Casia Rebelo no seu blog Ana de Amsterdam. Publica un post mais ou menos cada dois ou tres días. A sua escrita é maravilhosa, linda, redonda, agil,rapida, íntima, por vezes desgarrada e directa, sempre transgredindo a vida aborrecida. Da enveja e ánimos para escrever.
Aquí como homenagem a ela colo iste post muito antigo do que tanto gostei e gosto.
Obrigado Ana .
Air Pegasus
O juiz gosta de passear
pelo bairro. Caminha devagar, não pondo na sua passada qualquer aceleração ou
intuito saudável. Não pretende definir o seu corpo, torná-lo mais resistente,
mais forte. Gosta de caminhar. Apenas isso. Nessas caminhadas, cruza-se muitas
vezes com uma mulher. A mulher passa por si sempre a correr, vestida de licra
negra, levíssima, ténis com amortecedores, o cabelo preso num rabo-de-cavalo.
Corre depressa e deixa um cheiro característico. Não é bom nem mau. É apenas o
seu cheiro. O juiz olha-a. Um dia, a mulher levanta os olhos do chão. Também
ela o observa. O juiz passa a desejá-la. Esse desejo consome-o, deixa-lhe o
corpo dormente. Lembra-se constantemente dela, durante as audiências de
julgamento, nas filas de trânsito, pela noite fora. Quanto mais pensa na
mulher, mais se convence de que a não pode ter. Há entre eles um fosso
intransponível. Ele caminha devagar. Ela passa sempre a correr. Essa
discrepância parece-lhe insuperável. Uma mulher que corre não quer um homem que
caminha.
Está quase a habituar-se à ideia de perder aquela mulher - é perito em perder o que nunca foi seu -, quando, certo noite, se cruza novamente com ela. A princípio, não a reconhece. Traz o cabelo solto, veste calças de ganga, calça umas sabrinas de cabedal. Caminha. O juiz percebe que ainda vem trôpega, como um vitelo acabado de nascer, as pernas bambas habituam-se ao peso de um corpo que se movimenta devagar. Em breve, caminhará como ele. Nessa noite, o juiz não consegue dormir. Qualquer coisa que o atormenta. No dia seguinte, mal sai do tribunal, compra uns ténis de corrida com nome de cavalo alado, uma camisola sem mangas, uns calções justos com forro térmico. Volta a cruzar-se com a mulher nos dias seguintes. Ela caminha. Cada vez mais segura. Ele corre. Cada vez mais depressa. As suas passadas continuam a ser incompatíveis. Uma mulher que caminha não quer um homem que corre.
Está quase a habituar-se à ideia de perder aquela mulher - é perito em perder o que nunca foi seu -, quando, certo noite, se cruza novamente com ela. A princípio, não a reconhece. Traz o cabelo solto, veste calças de ganga, calça umas sabrinas de cabedal. Caminha. O juiz percebe que ainda vem trôpega, como um vitelo acabado de nascer, as pernas bambas habituam-se ao peso de um corpo que se movimenta devagar. Em breve, caminhará como ele. Nessa noite, o juiz não consegue dormir. Qualquer coisa que o atormenta. No dia seguinte, mal sai do tribunal, compra uns ténis de corrida com nome de cavalo alado, uma camisola sem mangas, uns calções justos com forro térmico. Volta a cruzar-se com a mulher nos dias seguintes. Ela caminha. Cada vez mais segura. Ele corre. Cada vez mais depressa. As suas passadas continuam a ser incompatíveis. Uma mulher que caminha não quer um homem que corre.
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