Já faz tempo, desfrutei coa leitura de Vindimia de Torga. Adoro o estilo dos romancistas portugueses (do XIX e metade do XX) dende Eça de Queiroz, Aquilino Ribeiro , Camilo Castelo Branco, Saramago, Torga etc. Por
citar assim de pressa os que eu li em algumas das suas obras. Falo como simples
leitor e grande admirador de todos eles cos que tenho desfrutado moito da sua escrita.
E moito especialmente Torga, por a sua escrita e por tratar-se do mais vicinho de todos eles. O escritor transmontano fala da sua terra, das montanhas e as suas aldeis, especialmente das gentes que nelas moram. Mas também está a descrever, o mesmo tempo, a minha terra e as minhas aldeias fronteiriças e as suas gentes.
Despois de ler Vindimia teve o gosto de fazer uma escolma de párrafos diferentes, inconexos, colhidos à solta, copiâ-los e deixa-los aquí pra repasar, ler e também como para recordâ-los, como se tivesse o íntimo desexo de aprendê-los e imitâ-los. Mas a única razão é defrutar a escrita e o português, tão galego, do grande Miguel Torga.
( Torga .- Vindima)
CINGUIDO a realidade humana do momento romancei un doiro atribulado, de clases, injustiça, suor e miseria.
Ese doiro está en vías de mudar.
Eram quarenta pessoas a o todo entre homens, mulheres e crianças…Penaguião é uma eira de palha moída, ja bafejada das primerias arangens frescas, sen ganhos, desolada à espera das grandes invernias.
Mas colhido o centeio nos planos altos do granito pouco ou nada mais há que fazer durante uma temporada….
A brancura mansa do leite das ovelhas enche a alma de cadura morna e o corpo de uma forá virginal e conformada.
Patamares de descanso na grande escadaria…
Vinham numa nuvem de pó
e num redemoinho de som de todos os lados da serra.
Nos rostos ossudos de cada bando lia-se a mesma felicidade nómada de ciganos libertos.
Encosta esparaiada de cepas a olhar o rio ao fundo e o céu lá no alto a cavadinha
Dançando o último fandango, esgotado o reportório das cantigas, a tarde caíra sonolenta sobre ás léguas do caminho.
Havia risadas intencionais, a sublinhar o sentido pícaro de cada motejo. Havia motejos íntimos canados que queriam silêncio para adormecer. Havia cochichos íntimos entre vizinhas que se tinham procurado para dormir lado a lado. Havia a vida a correr debaixo da telha vã por onde a lua começava a espreitar.
Foram as últimas palavras que se ouviram . depois delas a cadenha deixava sair apenas através das frestas de pedra lousa o rumor de fundas e quentes respirações. Mais tarde, pela noite adiante, também se sentia de quando em quando ranger a porta, e um som raivoso e morno de água a correr. Eram furtivos vultos que se erguiam da vala, e vinham urinar á entrada. Como sonâmbulos, esvaziavam na grande concha de luar a teimosa realidade que os afligia e caíam novamente na bem-aventurança, do nada.
O sol a pino lambia os bagos de alvaralhão, besuntava-se de melaço, e escorria em calda pelas cepas abaixo. As lajes de xisto reluziam como brasas pela ecosta acima. Ao fundo, o Doiro, morno, pesado, cor de tijolo, lembravaa água de uma grande barrela que alguém fizesse lá para bandas do Pocinho.
O senhor lopes instalou-se còmodamente na poltrona de veludo e desdobrou o jornal. Sólido, bem tratado, todo ele respirava vontade e conviçção. Abria as folhas da gazeta coo se quisesse penetrar em pessoa na intimidade das própias notícias, ali postas por sua intenção.
O POVO SO A CHICOTE. Nada de palavreado de conversa fiadas de explicações. Tempo perdido. Quanto a isso a sua experiência dera-lhe certezas inabaláveis. As pessoas não são iguais. Unas nascem para subir e mandar; outras para ficar onde estão e obedecer. E quando as coisas se baralhavam cada um saía do seu lugar, via-se o resultado: aquela anarquia deploravel.
O COMBOIO ATULHADO, ARRASTAVA-SE LENTAMENTE, agora no meio de uma paisagem escalvada, de mortórios agresivos,o río torutado e barrento, ia passando a direita num doloroso esfoço contraído. Um calor de fogueira ondulava no ar, grosso e pessado.
Rijo de corpo , resistia aos anos sem dar esperanças de se retirar da dena. Mas, sincera ou insincerametne, ninguém se mostrava cansado da su presença incómoda.
Susana da Conceição de Vasconcelos Carneiro Meneses de Castro.
No retalho da enconsta vindimada o luar avolumava a tristeza das videiras sem uvas. As vides erguiam para o céu as varas vazias, desfolhadas, como num protesto. A terra pisada e babada de sumo tinha também um ar violado e descomposto. A medidas que as navalhas avançavam as vinhas iam perdendo a graça.
Pela telha vã do cabanal o luar entrava como por um ralo. E no lençol de palha centeia, estendidos ao deus dará, os corpos iam-se desenhando, jovens e fortes alguns, velhos e mirrados outros, com pormenores escancarados-uma persona um braço um seio, um sexo, até.
Embora doridos dos rins, do trabalho e da rigidez cautelosa, pareciam estátuas derrubadas.
Até que o luar se toldou no cëu. Pèlas frestas da cadenha, a luz rarefeita foi perdendo a claridade. Desmaiou, empalideceu, escureceu, e então compreenderam ambos que havia passado a hora. A volupia que sonhavam necessitava do incitamento das formas que palpitavam ao lado. O desejo tirava parte da urgência do aguilhão natural que o espicaçava. Rodeada de calor e de cheiro a imaginação engolfava-se por caminhos de irresponsabilidade. E o llugar morrea, apagados os corpos na escuridão, apagara-se o lume da fogueira. Restava, pois, adormcer, descansar, acordar, trabalhar, e esperar por nova noite e nova oportunidades. E ter então coragem.
Desciam do alto das filas de vindimiadores sob cestos acougalados, ouviam-se pancadas do tanoeiro nos arcos das cubas, ciava um carro de bois pela vinha acima. E os que passavam esfarrapados e besuntados, demoravam-se o tempo que podiam a olhar com mudez escarninha o luxo dos três recém-chegados.
Vestida de preto, magra, hirta a ddona Maria jorge representava no mundo a condenação severa e permanente do marido.
Primeiro a desgraça chegou assim, en clamores imperativos. Um momento depois subia num redemoinho de vozes aflitas, implorativas e confusas.
Soturna e brumosamente, o instinto dos homens evocava ancestrais fadigas na surriba e na poda, na escava e na levanta, na enxogra e na desfolha, no sulfato e na redra, num rememorar suberrâneo e dorido de todos os passos do calvário onde a própria vida tinha de vez em quando a sua crificação.
O ar cheirava a terra molhada, a mosto e a trovoada. Cada passo era um apelo do chão a paz de um leito sem penas, saibroso e quente como a vida. E ouviram mais essa voz.
Na junceda também o dia amanheceu claro e aliciante.
Também a luz quente e perfumada do dia enebriara Guiomar. Também no seu coração vazio entravam sem defesa possível alguns raios do sol escarolado que banhava a terra. Uma certeza estranha, inesperada e nova, empurrava-lhe suavemente os assos pelas alamedas da quinta. Sentía o coração inundado de não sabia que alvorço indefinido.
Um trilo de flauta, débil e puro, chegou-lhe entãodo alto num prelúdio. Impreciso é tímido, hesitava como se reciasse saltar os valeiros.
Entretanto na mantelinha Alberto caçava. O primeiro bando de perdizes roncou,e tirou-lhe a duas. No meio do silêncio contido, que a cada momento ameaçava romper-se, o cão parado, a espingarda en meia pontaria, os pés fincados no chão mas tensos como molas, uma gota misteriosa caiu no copo e fê-lo transbordar. ….seguiram-se horas de procura afincada, de passos ora sorrateiros, ora vasulhadores, de pedras roladas pelas encostas, de imitações toscas do bater de asas, de ilusões e desilusões do perdigueiro, desorientado pelo vento e pelo desejo.
O dia estaba agora na total plenitude, espelhado e triunfante em cada palmo do moment. Da coroa dos cabeços espraiavam-se numa segura majestade, lombas cobertas de castanheiros, carbalhos e urzes. Lá longe ao fundo via lactea dos rabelos sem cachoes e sem ossos, o doiro corria esplendoroso e manso.
Magoado tanto ainda da queda de da visãao, escorado na âncora salvadora, o caçador guindou-se hesitante do sitio onde ficara suspenso. Mas do chão firme, que o instinto de conservação procurara a pesar de tudo, olhou carinhosamente o abismo. Generosa a more abria-lhe os braços maternais e mostrar-lhe a paz sem memória do seu eterno sono.
No tempo que eu te mandei estudar baboseiras se te ponho a rachar lenha, é que eu campava. Mas a gente é tola. Quando torce a orelha, é tarde.
Sem querer, todos o empurravam para o mesmo abismo. O ais, a mãe, a irmã e catarina. Desejosso certamente de o ajudar, de o salvar, ou somente de o popuar á tensão emotiva de um convivio que lhe alimentaase falsas ilusões, negavam-lhe compreensão, ternura e até piedade. Deixavam-no sozinho, abandonado à lepra da solidão. Se alguém os acusasse disso, responderiam indignados que estam de consciência tranquila que era para bem dele que o insultabam, recriminavam ou fugiam da sua presença. E com essas boas intenções lhe rarefaziam cada vez mais, a ponto de a tornar irrespirável, a atamosfera onde humanamente se movia.
Lisonjeada e rendida a uma superioridade que firmava os alicerces na palavra fluente e no atrevimento intelectual, a coitada, que atravessava uma crise de indecisão, de pousio emocional, escancarou a alma de mulher magnética impostura do actor.
Se o chão se abrisse, ou o próprio céu bordado de estrelas, que ainda há momentos a cobrira como uma colcha de noivado, desabasse, gloria não ficaria tão aterrada. Aquela pregunta parecia-lhe a condenação eterna da sua felicidade.
Vermelha como uma romã, a preciosa ergueu-se dum salto. Parecia que fora mordida por um escorpião. Toda a revolta da montanha, humilhada séculos à fio, se lhe concentrou no rosto, até ali pacífico e resignado. – o seu bandalho. A sua irmã não lhe serve? Gritou desvairada. O rancho voltou-se á uma , no mesmo movimento de espanto. Um insulto assim, tão nítido e público, abria uma brecha na segurança do pão que ganhavam. Felizmente que durou um segundo apenas aquele assombro aterrado
De rabo entre as pernas, como um cão escorraçado, o Eladio ia a saltar o bardo quando deu com Alberto, que ninguém notara ainda, a olhá-lo friamente. Não eram amigos a pesar da intimidade. Contudo, pertenciam á mesma classe, faziam parte dos que tinham nascido na boa margem do rio da vida. E desabafou, a pedir uma aliança que lhe parecia natural.
Amava-se em cada mulher, falando-lhe de amor. Espelhos onde se contemplava, que, casualmente, eram pessoas.
A resposta dos sócios da empresa á oferta
do Lopes ficoou de lhe ser dada pelo sr. Angelo no Pinhão. Nessa estufa onde se
respira a cuso, estrela geofraáfica de três
braços líquidos.- o doiro que vem, o doiro que vai, e o pequeno rio que
dá nome ao lugar.- atam-se e desatam-se os segredos e os grandes dramas da região. Pela sua rua unica, estrangulada
entre o monte e o caminho de ferro,
passam todas as inquitações humanas que vão desde Sanfins a Tabuaço. Gente da mais
variada condição acotovela-se na pequena arteria de sangue escaldante, na mesma ânsia de vida e triunfo. Recoveiros
que vêm trazer e levar encomenda, feitores que despacham colheitas, patrões que
embarcam e desembarcam, compradores que farejam, filhs de propietarios que se
exercitam, trabalhadores, ciganos, pedintes e loucos que ninguem sabe de onde são nem o que fazem.
De uma lado e doutro, largos portões de castanho dão entrada para os armazéns
que guardam no silencio e na penumbra, em cubas e toneis as colheitas passadas.
O comboio , incansavel lançadeira, eterna vítima de horários, sobe e desce a fumegar, num vaivém sem descanso. E leva e traz anseios, aproxima e afasta esperanças, carrega e descarrega.
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