“O rosto era comprido e seco. Por detrás de uns pequenos óculos
redondos, com lentes grossas, muitas vezes embaciadas, escondiam-se uns olhos
castanhos míopes. O seu olhar quando se fixava em alguém era atento e
observador, às vezes mesmo misterioso. A boca era muito pequena, de lábios
finos, e quase sempre semicerrados. Usava um bigode à americana que lhe
conferia um charme especial. Quando falava durante algum tempo e esforçava as
cordas vocais, um dos seus pontos sensíveis, o timbre de voz alterava-se,
tornando-se mais agudo e um pouco monocórdico. A modulação da passagem de um
tom para o outro acabava por reduzir o seu volume vocal natural e o som então
emitido ficava mais baixo e um pouco gutural, tornando-se menos audível.
“Nos últimos dez anos de vida, talvez provocado pelo fumo dos oitenta cigarros
diários, adquiriu um pigarrear característico, seguido de uma tosse seca.
“Embora não muito dado ao riso, Fernando Pessoa tinha uma certa ironia e algum
humor, sobretudo se estava bem disposto, o que acontecia algumas vezes quando
os amigos mais próximos o desafiavam para jantares. Curiosamente libertava-se
então da sua timidez e gesticulava de um modo mecânico e repetitivo, deixando
escapar um riso nervoso, às vezes irritante.
“Apesar de conviver com os amigos, no fundo nunca deixou de ser um homem
neurasténico, solitário e reservado, pouco dado a conversar com estranhos. No
final da sua vida, a melancolia e uma exagerada angústia existencial
predominavam. Daí a tendência para se isolar dos mais próximos e dos próprios
familiares. O seu temperamento ansioso foi interpretado por alguns dos seus
biógrafos como uma personalidade do tipo emotivo não activa. No fundo, era um
tímido introvertido, dado a fortes instabilidades de sentimentos e de emoções.
“Dotado de um carácter bastante complexo, era, apesar de tudo, um homem simples
com uma grande inteligência e de uma extrema sensibilidade... era reservado e
não gostava falar de si nem dos seus problemas, protegendo o mais possível a
sua privacidade. Terrivelmente supersticioso, tinha momentos em que se
comportava de uma forma enigmática e misteriosa, a que decerto não seria alheia
a sua velha atracção pelo oculto, o esotérico e a própria relação metafísica
que tinha com a vida.”
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